Por tudo se paga, até por um pôr-do-sol
Leonardo Boff - Instituto Ethos - 09/05/2008
http://www.ethos.org.br/DesktopDefault.aspx?TabID=3345&Lang=pt-B&Alias=ethos&itemNotID=8739
Quanto custa um pôr-do-sol?
Um grande empresário norte-americano, estando em Roma, quis mostrar ao filho a beleza de um pôr-do-sol nas colinas de Castelgandolfo. Antes de se postarem num bom ângulo, o filho perguntou ao pai: "Pai, onde se paga?".
Esta pergunta revela a estrutura da sociedade dominante, assentada sobre a economia e o mercado. Nela, para tudo se paga - também um pôr-do-sol?, tudo se vende e tudo se compra. Ela operou, segundo notou ainda em 1944 o economista norte-americano Polanyi, a grande transformação ao conferir valor econômico a tudo. As relações humanas se transformaram em transações comerciais e tudo, tudo mesmo, do sexo à Santíssima Trindade, vira mercadoria e chance de lucro.
Se quisermos qualificá-la, diríamos que esta é uma sociedade produtivista, consumista e materialista. É produtivista porque explora todos os recursos e serviços naturais visando o lucro e não a preservação da natureza. É consumista porque, se não houver consumo cada vez maior, não há também produção nem lucro. É materialista, pois sua centralidade é produzir e consumir coisas materiais e não espirituais como a cooperação e o cuidado. Está mais interessada no crescimento quantitativo - como ganhar mais - do que no desenvolvimento qualitativo - como viver melhor com menos -, em harmonia com a natureza, com eqüidade social e sustentabilidade socioecológica.
Cabe insistir no óbvio: não há dinheiro que pague um pôr-do-sol. Não se compra na bolsa a lua cheia "que sabe de mi largo caminar". A felicidade, a amizade, a lealdade e o amor não estão à venda nos shopping centers. Quem pode viver sem esses intangíveis? Aqui não funciona a lógica do interesse, mas da gratuidade, não a utilidade prática, mas o valor intrínseco da natureza, da ridente paisagem, do carinho entre dois enamorados. Nisso reside a felicidade humana.
O insuspeito George Soros, o grande especulador das bolsas mundiais, confessa em seu livro "A Crise do Capitalismo" (1999): "uma sociedade baseada em transações solapa os valores sociais; estes expressam o interesse pelos outros; pressupõem que o indivíduo pertence a uma comunidade, seja uma família, uma tribo, uma nação ou a humanidade, cujos interesses têm preferência em relação aos interesses individuais. Mas uma economia de mercado é tudo menos uma comunidade. Todos devem cuidar dos seus próprios interesses... e maximizar seus lucros, com exclusão de qualquer outra consideração".
Uma sociedade que decide organizar-se sem uma ética mínima, altruísta e respeitosa da natureza, está traçando o caminho de sua própria auto-destruição.
Então, não causa admiração o fato de termos chegado aonde chegamos, ao aquecimento global e à aterradora devastação da natureza, com ameaças de extinção de vastas porções da biosfera e, no termo, até da espécie humana.
Suspeito que, ao não quebrarmos o paradigma produtivista/consumista/materialista em direção do cultivo do capital espiritual e da sustentação de toda a vida, com um sentido de mútua pertença entre Terra e humanidade, podemos encontrar pela frente a escuridão.
Devemos tentar ser, pelo menos, um pouco como a rosa cantada pelo místico poeta Angelus Silesius (+1677) : "a rosa é sem porquê: floresce por florescer, não cuida de si mesma nem pede para ser olhada" (aforismo 289). Essa gratuidade é uma das pilastras do novo paradigma salvador.
Texto originalmente publicado no jornal
O Tempo, de Minas Gerais.
O Tempo, de Minas Gerais.
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De Leonardo Boff. "Cabe insistir no óbvio: não há dinheiro que pague um pôr-do-sol. Não se compra na 'bolsa a lua cheia 'que sabe de mi largo caminar'. A felicidade, a amizade, a lealdade e o amor não estão à venda nos shopping centers. Quem pode viver sem esses intangíveis? Aqui não funciona a lógica do interesse, mas da gratuidade, não a utilidade prática, mas o valor intrínseco da natureza, da ridente paisagem, do carinho entre dois enamorados. Nisso reside a felicidade humana". Drauzio Milagres.
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