A vida do aluno  brilhante, que virou mito no mercado financeiro,
montou o próprio  banco e conquistou uma legião de inimigos.
 
 
Insígnia -  Polícia Federal
 
 
 
"O Daniel  Dantas não senta numa mesa para conversar. Levanta, é agoniado. Tenho impressão  de que não se diverte, não pensa em nada, só trabalho. Fica calado o tempo todo.  De repente, vem com uma solução genial. E isso serve para qualquer assunto. Se  você tem um problema para amarrar um boi, ele ouve, ouve e vem com uma solução  de dar um nó ao contrário, uma coisa que ninguém pensou antes, mas que dá certo.  É um Professor Pardal. Nunca ouvi ele falar de música, de namorada. Só come  folha e só toma vinho ruim. A única vez que fui à casa dele, tive uma decepção.  Não tem nenhum quadro que preste. Ele é uma figura toda  esquisita".
 
A descrição  acima foi feita pelo senador Heráclito Fortes (DEM-PI). Embora afirme não ser  tão próximo de Dantas, Fortes ganhou fama como principal defensor do banqueiro  no Congresso. Fortes é hoje um dos poucos homens da República que tiveram  relações próximas com Dantas e admitem falar abertamente sobre ele. A prisão  parece ter afugentado os já escassos amigos. Dono de um estilo agressivo, Dantas  brigou com praticamente todas as pessoas com quem fez negócios. "Atualmente, não  saberia citar mais que três amigos de Daniel Dantas", afirma um político  baiano.
 
 
Obsessivo. Daniel Dantas,  dono do Opportunity.
Pouca fala e hábitos estranhos: ele almoça a mesma comida  todos os dias, até enjoar.
 
 
 
O foco da vida  de Dantas sempre foram os estudos e os negócios. Sua rotina de trabalho começa  antes das 7 horas e termina quase sempre depois das 22 horas, mesmo nos fins de  semana. Dantas criou hábitos típicos dos gênios obsessivos dos filmes. Para  evitar perder tempo com cardápios, almoça sempre a mesma coisa: legumes cozidos,  peixe grelhado, frutas. Praticamente não varia o traje: o terno é sempre preto  ou azul-marinho, a camisa é sempre azul-clara, a gravata é sempre azul-escura. O  carro só é trocado quando há problema mecânico. Palavras, somente as  estritamente necessárias. Por isso, seu vocabulário não costuma incluir "bom  dia" ou "por favor". No escritório, desenvolveu o hábito de trabalhar a maior  parte do tempo em pé, porque acha que assim consegue pensar com mais  eficiência.
 
Filho de  família tradicional na Bahia, Dantas começou a trabalhar cedo. Ajudava o pai,  Raimundo, a tocar uma indústria têxtil. Raimundo era reconhecido como um homem  sociável e de muitos amigos, entre eles o senador Antônio Carlos Magalhães,  morto em 2007. Dantas abriu seu primeiro negócio aos 17 anos, quando criou com  dois amigos uma fábrica de sacolas de papel. Um deles era Carlos Rodenburg, que  mais tarde acabou casando com sua irmã, Verônica. A empresa foi vendida.  Rodenburg e Verônica se separaram anos depois, mas acompanham Dantas nos  negócios até hoje. Ainda na Bahia, Dantas cursou Engenharia Civil na  Universidade Federal. Trabalhou como engenheiro na empreiteira Norberto  Odebrecht até mudar-se para o Rio de Janeiro, onde fez mestrado e doutorado na  Fundação Getúlio Vargas.
 
A trajetória  acadêmica de Dantas foi meteórica. Em dois anos, havia concluído os dois cursos  e se tornado pupilo do consagrado economista e ex-ministro Mário Henrique  Simonsen. A dedicação de Dantas à vida acadêmica era tamanha que, em 1980, ele  adiou o próprio casamento para participar de um congresso. Nesse evento,  conheceu o economista italiano Franco Modigliani, um dos quatro vencedores do  Prêmio Nobel de Economia que viriam a ser seus professores. Os outros foram os  americanos Paul Samuelson, Robert Merton e Robert Solow. Modigliani indicou  Dantas para um pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em  Boston.
 
Durante o curso  em Boston, Dantas costumava voltar ao Brasil nos fins de semana para trabalhar  na corretora Triplic, onde já tinha uma participação societária. Para cumprir a  jornada, dormia às noites de sexta-feira e domingo em aviões. Quando acabou o  pós-doutorado, voltou de forma definitiva, interrompeu as atividades acadêmicas  e passou a se dedicar exclusivamente aos negócios. Sua fortuna é estimada em US$  1 bilhão, dos quais não se tem notícia de um centavo gasto em casas de campo,  coleções de arte, iates e afins.
 
De volta ao  Brasil, Dantas logo chegou à vice-presidência de investimentos do Bradesco. Em  1986, o Bradesco ainda mantinha uma sociedade com o empresário português Antônio  Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, dono da seguradora Atlântica Boavista.  Quando a sociedade foi rompida, Braguinha saiu com US$ 72 milhões no bolso.  Separou US$ 22 milhões para curtir o ócio e fundou o banco Icatu com os US$ 50  milhões restantes. Para administrá-lo, convidou Dantas, por sugestão de  Simonsen.
 
No Icatu,  Dantas virou mito. Nos oito anos em que dirigiu a instituição, o patrimônio do  banco passou de US$ 50 milhões para US$ 180 milhões. O lucro anual ultrapassou  os US$ 50 milhões. Três jogadas suas ganharam fama. A primeira foi comprar ações  de estatais de energia e telefonia quando elas valiam muito pouco. Dantas  calculou que logo o governo seria obrigado a reajustar tarifas para financiar o  déficit público. Quando as taxas começaram a subir, as ações dispararam. Outra  jogada certeira foi apostar nos desidratados papéis da Petrobrás quando ficou  sabendo de uma apresentação de burocratas argentinos em Nova York sobre a  privatização da petrolífera YPF. Dantas concluiu que o interesse dos americanos  pelos latinos aumentaria, valorizando assim as ações da Petrobrás. Acertou  novamente. A terceira foi na véspera da eleição de 1989, vencida por Fernando  Collor. Ao olhar para o que estava ocorrendo no exterior, concluiu que haveria  algum tipo de confisco. Investiu em soja e café e conseguiu atravessar o período  ruim exportando, livre do confisco.
 
 
 
Quando os sócios  começaram a entender e a questionar os
contratos, nasceu a maior disputa  societária da história do Brasil.
 
 
 
Ao longo de sua  carreira, Dantas teve pelo menos três oportunidades de ir para o governo.  Escapou de todas. Primeiro, foi convidado por ACM para dirigir o Banco Estadual  da Bahia. Depois, foi chamado para ocupar a diretoria de Dívida Pública do Banco  Central. E em 1990, depois de participar da elaboração do Plano Collor, foi  cogitado como possível ministro. 
 
Seu momento  mais glorioso talvez tenha sido em 1993, quando já negociava sua saída do Icatu  e montava o Opportunity. O fundo Equity, administrado por ele, terminou aquele  ano como o mais rentável do mundo, com valorização de 156% sobre o dólar. Na  mesma lista, o celebrado Quantum Emerging, sob os cuidados do famoso investidor  húngaro George Soros, ficou em quarto, com 92% de retorno. Com o crescimento do  Icatu, a remuneração excessiva de Dantas começou a incomodar os filhos de  Braguinha. Foi quando fizeram o acordo de separação. Com o bolso recheado,  Dantas montou o Opportunity em 1994. Hoje, esse banco gerencia algo entre R$ 15  bilhões e R$ 20 bilhões em recursos de terceiros.
 
No início dos  anos 90, Dantas tinha convicção de que as privatizações seriam o maior negócio  do Brasil naquela década. Mas não tinha capital para disputá-las sozinho. É aí  que começa a operação mais ambiciosa de sua carreira. Em torno do Opportunity,  ele passou a montar consórcios para disputar o controle das empresas de  telefonia. Seu grande trunfo foi ter firmado um acordo em 1997 com o Citibank  para criar o CVC Opportunity, fundo com enorme potencial financeiro bancado por  investidores americanos. O Citi deu carta branca para Dantas gerir esse fundo.  Na telefonia móvel, Dantas juntou em torno de si a canadense TIW e um consórcio  de seis fundos de pensão liderados pela Previ, dos funcionários do Banco do  Brasil. Com eles, arrematou a Telemig Celular e a Amazônia Celular, peças  menores no xadrez da telefonia.
 
Na telefonia  fixa, onde a disputa era maior, Dantas atraiu a Previ e a Telecom Italia. Sua  intenção era comprar a Tele Norte-Leste (atual Oi), empresa que atendia todos os  Estados do Sudeste, com exceção de São Paulo, o Nordeste e parte da Região  Norte. Para surpresa do mercado, ocorreram dois movimentos inesperados na  privatização. O primeiro foi a compra da Telesp pela Telefónica da Espanha,  grupo que declarava interesse apenas na Tele Centro-Sul (atual Brasil Telecom).  O segundo foi o surgimento de uma proposta do grupo de Dantas pela Tele  Centro-Sul. Sem a Telefónica na parada, o Opportunity e sua turma venceram essa  disputa. A vitória desclassificou o grupo de Dantas para o terceiro leilão, da  Tele Norte-Leste. Essa última empresa acabou ficando com o grupo liderado pelos  empresários Carlos Jereissati e Sérgio Andrade.
 
A origem da  maioria dos proverbiais litígios de Dantas está na complicada formação desses  consórcios. Os acordos costurados antes do leilão resultaram em estruturas  societárias complexas, formadas por um conjunto de holding e sub-holdings em  diversos estágios de controle que, ao final, davam poderes de gestão apenas ao  próprio Dantas. Chama a atenção a forma como ele, a partir de uma instituição  pequena e com menos dinheiro que os demais sócios, conseguiu montar uma  composição tão favorável a si mesmo. Alguns dizem que ele teria se aproveitado  da boa-fé e da desatenção dos executivos.
 
Logo após a  privatização, os sócios de Dantas começaram a reler, entender e questionar os  contratos. Foi assim que Dantas virou o pivô daquilo que o ex-ministro Luiz  Gushiken classificou certa vez como "a maior disputa societária da história do  capitalismo brasileiro". Os primeiros a reclamar foram os canadenses, da TIW,  que haviam investido US$ 350 milhões na Telemig e na Amazônia Celular. Eles  alegaram ter sido ludibriados na montagem da sociedade. Abriram processos no  Brasil e no exterior e, no final, acabaram desistindo e vendendo tudo para o  próprio Opportunity por US$ 70 milhões. Depois foi a vez dos fundos de pensão,  liderados pela Previ. Em 1999, a Previ trocou de diretoria. Os novos diretores  auditaram os contratos feitos com o Opportunity e despejaram um amontoado de  processos contra o Opportunity na Justiça.
 
Em seguida,  veio a disputa com a Telecom Italia. Interessados em operar telefonia celular,  os italianos queriam antecipar as metas de investimento na Brasil Telecom,  condição necessária para que recebessem autorização do governo. Na gestão da  empresa, Dantas atrasava os investimentos necessários. Os italianos  interpretaram isso como uma forma de obrigá-los a vender sua participação ao  Opportunity e foram para a briga. No meio dessa guerra, a Telecom Italia teria  enviado à Polícia Federal um CD com a lista de empresários e membros do governo  que teriam sido perseguidos e grampeados pela empresa de espionagem Kroll, a  mando de Dantas. Um dos espionados era Gushiken, tido como aliado da Previ e  inimigo de Dantas no governo. Com base nessa denúncia, a PF deflagrou, em 2004,  a Operação Chacal, que recolheu na sede do Opportunity, no apartamento de Dantas  e na sede da Kroll vários documentos e um disco rígido com informações sobre os  clientes do banco. Nessa ocasião, Dantas saiu do Brasil para não ser  preso.
 
Um dos métodos  de atuação de Dantas foi buscar a proximidade com o poder. Na época das  privatizações, o Opportunity contratou o ex-presidente do Banco Central Pérsio  Arida e a ex-diretora do BNDES Elena Landau. No governo Lula, Dantas negociou  uma parceria com a Gamecorp, empresa de Fábio Luiz, o Lulinha, filho do  presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quando estavam próximos de fechar negócio,  Lula foi alertado e abortou a operação. A Gamecorp virou então sócia da Telemar.  Por meio de suas empresas, Dantas também contratou serviços advocatícios de  Roberto Teixeira, compadre de Lula, de Antonio Carlos de Almeida Castro, o  Kakay, ligado ao ex-ministro José Dirceu, e de Roberto Mangabeira Unger, hoje  ministro.
 
Um personagem  particular atravessou todo esse período em feroz litígio particular com Dantas:  Luís Roberto Demarco. Economista, ele virou sócio do Opportunity em 1997 e se  desentendeu com Dantas em 1999, após o fracasso dos investimentos do banco no  Esporte Clube Bahia. O desentendimento maior ocorreu quando Demarco resolveu  sair e pediu indenização de 3,5% de participação no fundo CVC Opportunity,  sediado nas Ilhas Cayman. Dantas nunca concordou. Em 2006, o Conselho Privado da  Rainha, na corte de Londres (que trata de assuntos de além-mar), deu ganho de  causa definitivo a Demarco. A briga expôs uma irregularidade do fundo:  brasileiros haviam colocado dinheiro no fundo, o que era vedado. Isso levou  Dantas a responder a processo na Comissão de Valores  Mobiliários.
 
 
Daniel Dantas  (foto de Celso Júnior).
 
 
 
Em 2005, Dantas  recebeu a maior pancada societária de sua trajetória. Depois de oito anos de  apoio, o Citibank, seu último aliado na disputa pelo controle das empresas,  decidiu abandoná-lo. Em março daquele ano, o banco americano anunciou a  destituição de Dantas da administração do CVC Opportunity. Com as denúncias de  envolvimento de Dantas no caso Kroll e o possível indiciamento do banqueiro, o  Citi temia complicações jurídicas nos EUA. Dessa separação, surgiu um processo  contra Dantas que corre em segredo de Justiça em Nova York. O Citi pede US$ 300  milhões sob acusação de fraude, violação de contrato, conduta ilícita e falsas  afirmações.
 
Outro episódio  na história de Dantas foi sua participação na CPI dos Correios, em 2005, acusado  de ser financiador do esquema do mensalão. Dar dinheiro a parlamentares ligados  ao governo era, de acordo com as investigações, mais uma maneira de se aproximar  do poder e facilitar seus negócios. Em seu depoimento, Dantas negou ter  financiado o mensalão, mas disse que certa vez foi procurado pelo ex-tesoureiro  do PT Delúbio Soares, que lhe pediu para pagar uma dívida de US$ 50 milhões do  partido. O processo contra Dantas foi enviado à Justiça Federal em São  Paulo.
 
Havia fortes  indícios para acreditar que o inferno de Daniel Dantas acabaria com a venda da  Brasil Telecom para a Oi (ex-Telemar). Esse contrato já está assinado, mas  aguarda aval da Agência Nacional de Telecomunicações. Seria a oportunidade de  Dantas sair do setor em acordo com seus ex-sócios, vincular sua saída à anulação  dos processos e, a partir daí, limpar sua imagem no mercado para tocar o banco e  seus novos negócios, como a pecuária no Pará. Faltou combinar com a Polícia  Federal.
 
 
 
 
 
A  Constelação de Daniel Dantas.
 
Personagens e  companhias que se envolveram em desavenças com o banqueiro do  Opportunity.
 
 
Luiz Roberto  Demarco - Ex-sócio de  Dantas no Opportunity Fund, venceu em 2006 a ação que movia contra o ex-patrão  para receber parte nos lucros do fundo.
 
 
Luiz  Gushiken - Ex-chefe da  Secretaria de Comunicação da Presidência, ligado à Previ, era considerado o  maior inimigo de Dantas no Executivo. Seus e-mails teriam sido espionados a  mando de Dantas.
 
 
Sérgio  Rosa - O fundo de  pensão do Banco do Brasil foi parceiro de Dantas na compra da Brasil  Telecom.
Em 1999, passou  a brigar com o banqueiro porque se dizia excluído da administração do negócio  por cláusulas contratuais leoninas.
 
 
Telecom Itália -  Também fazia parte do consórcio que arrematou a Brasil  Telecom.
Em 2000, acusou  Dantas de atrapalhar suas metas de investimento na empresa para forçá-la a  vender barato sua parte da Brasil Telecom.
 
 
Citibank - Em  1997, escolheu o Opportunity para gerir seus fundos de investimento no  Brasil.
Foi o maior  aliado do banqueiro por quase todo o período. Em 2005, rompeu com o Opportunity  e processou Dantas em Nova York.