Para o jornalista, a revista Veja perdeu todos os  limites ao publicar uma matéria em que não pode provar nada do que denuncia.  Para ele, trata-se de uma operação para livrar Daniel Dantas da ação movida pela  Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. "É um momento triste na  história da República: ele mostra que Dantas conseguiu uma ampla influência no  Judiciário, em três partidos políticos e em grande parte da mídia", diz  Nassif.
 
 
 
A revista Veja da semana  passada denunciou um esquema de grampos que vigiariam o Supremo Tribunal Federal  e integrantes do governo federal. O que levou, no dia seguinte, o presidente  Lula e o ministro Gilmar Mendes a reunirem-se e, finalmente, à suspensão da  direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Na terça-feira da semana  passada, em entrevista à imprensa, Lula declarou:
 
"Se algum de vocês  (referindo-se aos jornalistas presentes) souber algo - porque a fonte conversou  com os jornalistas e não comigo -, e quiserem facilitar a investigação, podemos  resolver logo o problema. Do contrário, vamos ter de investigar com muita  profundidade".
 
Isso porque a Veja declarou  que as gravações não existem mais e utiliza a lei para não revelar o nome da  fonte da reportagem. A IHU On-Line (IHU - Instituto Humanitas  Unisinos) conversou por telefone com Luis Nassif sobre essa crise gerada  por um veículo de comunicação tão importante no país, mas, segundo ele, em  decadência.
 
Nassif, que lançou uma série  chamada Dossiê Veja, em que chama de antijornalismo o trabalho da revista, fala  sobre a relação dessa denúncia dos grampos no STF com o caso Daniel Dantas,  sobre um possível conflito entre o ministro do STF e Tarso Genro e, ainda, sobre  a posição da Polícia Federal diante desse grande problema deflagrado no  país.
 
Luis Nassif é jornalista e  diretor Superintendente da Agência Dinheiro Vivo. Além disso, desempenha as  funções de comentarista econômico da TV Cultura, membro do Conselho do Instituto  de Estudos Avançados da USP e do Conselho de Economia da FIESP. Possui um dos  blogs mais acessados e respeitados do país.
 
Confira a  entrevista.
 
IHU On-Line - Nesse caso  dos grampos, foi a reportagem da Veja que motivou a reunião de ontem entre Lula  e Gilmar Mendes e, por fim, o afastamento da direção da Abin. Como o senhor  relaciona esse caso com o caso Daniel Dantas?
 
Luis Nassif - É,  escancaradamente, uma operação para livrar o Daniel Dantas desse inquérito e  desse processo. A Veja perdeu todos os limites. O que espanta é ver um  presidente do Supremo Tribunal Federal, baseado nos elementos que a revista  coloca, sair acusando a Abin e o Paulo Lacerda, justamente os alvos do Daniel  Dantas. É um momento triste na história da República: ele mostra que Dantas  conseguiu uma ampla influência no Judiciário, em três partidos políticos e em  grande parte da mídia. Eu acho que, para o jornalismo, o preço do descrédito é  muito grande. A opinião pública inteira está percebendo o tipo de jogada feito  pela Veja. E o que ela faz desmoraliza o jornalismo. Sabemos que este já foi  usado para outros propósitos, mas o que existia antes era um pouco a história de  troca de favores entre empresas e instituições e alguns veículos de mídia. Era  um negócio antiético, mas mais light. Agora, quando temos essa contaminação da  cobertura da imprensa por essas pessoas que estão claramente acusadas por  formação de quadrilha e afins, entramos num terreno muito complicado e  desmoralizante para um dos poderes fundamentais da sociedade, que é a imprensa  de opinião.
 
A Veja tem uma grande tiragem  e passou a praticar um jornalismo falso, como tenho mostrado na minha série de  reportagens. No entanto, há, concomitantemente, uma cumplicidade com isso por  parte dos jornais. Essa matéria sobre os grampos publicada por ela não passaria  num curso básico de jornalismo. Então, vem o presidente do STF, avaliza a  matéria e faz com que ela se transforme em institucional. Há poucos jornalistas  com coragem para questionar essa falta de consistência da matéria. Há outro  aspecto que precisa ser levado em conta: a Operação Satiagraha foi muito  abrangente. Ela entrou no seio da corrupção brasileira e pegou magistrados,  políticos e empresas jornalísticas. Com isso, temos esquemas pesados montados  por advogados, por políticos e por jornalistas. A Veja gosta muita de comparar o  Brasil aos Estados Unidos e dizer que nosso país é atrasado e que os  estadunidenses são o suprassumo da modernidade. São mesmo. Só que nós estamos  entrando hoje num ponto muito similar ao dos anos 1930 nos Estados Unidos,  quando existiu uma luta nacional contra o crime organizado e a imprensa aderiu  ao crime. É complicado isso, pois o maior fator de atraso que temos é a revista  Veja, inserida dentro de um tipo de jornalismo manipulador. Com a internet, as  coisas até melhoraram, porque há alternativas à falta de competência  jornalística. A Veja está fazendo uma operação de alto risco para poder fazer  essas jogadas todas de forma profissional. Dentro da Abril, eles são chamados de  "aloprados" da Veja. Isso causa perplexidade, indignação, e o preço é a  desmoralização da imprensa. Pelo menos, a internet não deixa a grande imprensa  falar sozinha.
 
IHU - E deve partir de  quem exigir uma mudança de paradigma da influência que a Veja  possui?
 
Nassif - Deve partir da  Justiça. Na semana passada, a condenação do Diogo Mainardi a três meses de  prisão foi um passo muito importante do Judiciário. A Veja passou a usar a  calúnia e a difamação com a ajuda de dois pistoleiros - o Mainardi e o Reinaldo  Azevedo - para atacar a honra de todo mundo e entrou num jogo muito pesado. Essa  estratégia é desproporcional, porque a Abril partiu para uma avaliação custo x  benefício, ou seja, começou a se perguntar: o que ganhamos se começarmos a  difamar ou caluniar o fulano? Ganha porque desacredita o "fulano" e continua com  liberdade para manipular isso. O que isso custa? Cem mil, 150 mil reais por  processo. É um preço que eles pagam. Essa avaliação é horrorosa, faz o  jornalismo cair na barbárie. Quando condenam um deles, como no caso do Paulo  Henrique, esse jogo acaba. No Rio Grande do Sul, fizeram isso com o Jorge  Furtado. Ele foi alvo de assassinato de reputação também. A ação contra esse  tipo de publicação às vezes demora meses ou anos para ser resolvida. Como é que  fica a sua reputação nesse período? Como fica a sua família e seus filhos nessa  história? O que a Veja está fazendo é coisa de quadrilha. Eu nunca vi algo  parecido.
 
IHU - Essa suspensão da  direção da Abin foi uma atitude correta por parte do  presidente?
 
Nassif - O presidente é gato  escaldado. Já sabe que enfrentar o STF e a imprensa juntos pode significar um  risco e adotou essa medida. Ele aproveitou que a escuta pegou o pessoal da sua  base e assim pode reagir contra a Operação Satiagraha. Agora, ele está numa ação  de alto risco, porque validar a Veja - que é uma revista que está caindo em  descrédito - é um risco. Se você dá à Veja o direito publicar um factóide como  esse - porque ainda não temos uma prova real sobre esse grampo - e o poder de  afastar a direção da Abin, sabendo que toda a estratégia jurídica do Dantas  consistia em tentar comprovar que o Paulo Lacerda tinha interferido na Operação  Satiagraha para poder anular o inquérito, há outro risco alto. O Lula mandou  investigar afastando a direção da Abin para não ter contaminação nos resultados.  Ou seja, deu tudo o que o pessoal do STF pediu. Se houver uma investigação séria  agora, quem fez paga. A Veja vai ter de mostrar suas provas. O desafio é existir  uma investigação séria. Claro que não podemos botar a mão no fogo pela Abin, mas  é preciso ficar claro que quem acusa tem que ter a comprovação. Aquela maluquice  que a Veja fez não é prova. Nenhum país civilizado, com poder Judiciário  efetivo, deixa aquilo ser considerado uma matéria. Vamos ver o resultado das  investigações. A partir delas, saberemos se o Lula é um enxadrista ou uma pessoa  temerosa.
 
IHU - Em que sentido a  reunião de Gilmar Mendes com Lula interfere no trabalho do ministro Tarso  Genro?
 
Nassif - Eu conversei  com o ministro hoje (referindo-se ao dia 02 de setembro de 2008), que me disse  que esse período faz parte de um jogo complicado. Veja bem, essa questão dos  direitos individuais precisa ser preservada e você não pode dar plenos direitos  para o pessoal sair grampeando a torto e direito. Vivemos hoje dentro de uma  democracia clássica, ou seja, numa sociedade onde a imprensa é o fator para  conter excesso de poder do Executivo. No entanto, como há um alto grau de  manipulação por parte da imprensa, se criou uma ameaça grande ao direito  individual. Esse poder diz respeito a fazer qualquer ataque e não dar bola para  o resto. Qual é o maior desafio que temos em relação à defesa dos direitos  individuais? É saber se defender de esquemas como os que a Veja monta. Aqui no  Brasil, em nome da liberdade de imprensa, você pode assassinar reputações, fazer  uma matéria fajuta e dizer que a Constituição garante sigilo de fonte... Onde  nós vamos parar? Podemos dizer que o ministro Gilmar Mendes assumiu de uma forma  obcecada a defesa do Dantas e deixou o Supremo Tribunal Federal numa má  situação, mas os outros ministros estão deixando a história correr para não  comprometer ainda mais a imagem da instituição.
 
IHU - Casos como esses  estão gerando desconfortos dentro da Polícia Federal. Em sua opinião, que  perigos giram em torno dessa demonização da PF?
 
Nassif - Falar da  Polícia Federal é um negócio complicado. É uma organização muito envolvida em  muitos problemas e foi feita uma mudança fundamental em sua estrutura pelo Paulo  Lacerda, há tempos. Daí surge uma geração nova aí, não viciada ainda, que não  quer entrar no esquema e quer realizar um trabalho sério de investigação. Esse  pessoal é o típico funcionário que está seguindo o manual, que é a lei, a  Constituição. Se esse pessoal for desestimulado, a única força que se insurgiu  de forma profissional contra esses abusos e esquemas de corrupção vai ser jogada  fora. É um momento complicado, é uma guerra da civilização contra a barbárie. A  barbárie, nesse caso, está sendo representada, infelizmente, por órgãos de  imprensa. Esse é o problema.
 
IHU - E como esse  problema pode ser resolvido?
 
Nassif - É importante deixar  claro que toda essa operação visa beneficiar o Dantas. Isso cria um  constrangimento para o Lula que não é fácil. Essa investigação tem a garantia do  acompanhamento do Ministério Público. A Polícia Federal tem dentro da sua  corporação grupos se digladiando. Se for provado que houve manipulação, a Veja e  o Gilmar Mendes entram numa situação complicada. Se confirmar que foi uma ordem  da Abin, quem se complica é o governo. O que eu acho mais provável é que não vai  se confirmar que foi da Abin e que não vai se chegar ao grampeador, porque a  Veja é uma revista sem-vergonha e não tem provas do que diz. Eu acho que vai  ficar como um negócio não esclarecido, o que fortalece a posição do Dantas.  Também vai depender muito da sinalização que o Ministro da Justiça e o Lula  fizeram para a Polícia Federal para continuar investigando essa Operação  Satiagraha.
 
IHU - A quem interessa  livrar o Dantas dessa investigação?
 
Nassif - Todos os que foram  subornados por ele, ou seja, três partidos políticos e jornalistas que foram  pagos por ele. Interessa às publicações que fizeram acordos obscuros com ele, a  juízes que se venderam para ele. É muita gente. Ele está no centro da corrupção  brasileira; é uma coisa imensa.
 
IHU - Podemos dizer que  o STF e o ministério da Justiça estão em crise?
 
Nassif - Não sei se  estão em crise. O ministro Gilmar Mendes quis provocar uma crise, mas o governo  não passou recibo. A condução do Tarso Genro em relação a esses episódios foi  infeliz. Nesse sentido, há uma certa ligação entre ele e o Gilmar, mas este  último extrapolou. O segundo habeas corpus foi  incompreensível.
 
IHU - No mês passado, durante  a Rodada Doha, percebeu-se que a intenção do Brasil estava dentro da questão da  remessa de lucros maior do que os investimentos internos e assim atrairia  capital de curto prazo. Quem sairia privilegiado se as negociações tivessem ido  de acordo com as intenções do governo brasileiro?
 
Nassif - O Brasil perderia  claramente. Eu não entendi a posição do Lula de querer uma coisa a qualquer  preço, porque o que se oferecia da parte agrícola lá não é suficiente para o  país. Se a intenção do governo brasileiro fosse aprovada, seriam abertas as  tarifas de pontuação de um conjunto importante de produtos em troca de ganhos  não substanciais na área de subsídios num momento em que o câmbio brasileiro é  um diferencial negativo muito grande. Se saísse do jeito que se queria, nós  teríamos problemas sérios. A sorte é que a China e a Índia tiveram mais clareza  sobre seus interesses.
 
IHU - Dentro dessa questão  ainda, que perspectivas você tem para o próximo encontro em  Doha?
 
Nassif - Eu continuo  acreditando naquilo que escrevi no livro Os cabeças-de-planilha (São Paulo:  Ediouro, 2007), ou seja, o mundo está no final de um processo de liberação  financeira que tende a refluir. A tendência, se for bater com que ocorreu em  outros períodos da história, será a de um nacionalismo mais exacerbado, uma  defesa maior dos interesses nacionais, assim como aconteceu com a China, com a  Índia e a Rússia. Estes sistemas de livre comércio são, geralmente, adotados por  quem já atingiu um certo grau de desenvolvimento mais elevado. Quando o país  atinge esse grau de desenvolvimento, pode entrar nas regras internacionais de  livre comércio que, obviamente, beneficia os países mais competitivos em  detrimento dos menos competitivos. Os países emergentes que seguem essas regras  não conseguem se desenvolver, porque já são mais fracos, menos competitivos. Na  medida em que a China quer se tornar uma potência, ela vai se insurgir contra  isso.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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