A "Vantagem Moral" de  Israel
Marcelo da Silva Duarte
Agência Carta Maior - 06/01/2009
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4068&boletim_id=513&componente_id=8911
Marcelo da Silva Duarte
Agência Carta Maior - 06/01/2009
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Ao que tudo indica, as "necessidades demográficas" do governo israelense vêm dando lugar, gradativamente, a necessidades políticas mais urgentes. Como um governo que massacra civis em nome de suas pretensões eleitorais, então, pode reivindicar qualquer espécie de "vantagem moral" sobre quem a elas reage legitimamente?
Marcelo da Silva  Duarte
 
Quando o primeiro-ministro israelense Ehud  Olmert aprovou a expansão de assentamentos judeus na área ocupada de Jerusalém  Oriental e na Cisjordânia, em março do ano passado, um porta-voz de seu governo  afirmou que isso iria "cobrir as necessidades demográficas de  Jerusalém".
Não seria nem a primeira e nem a última  vez que o governo israelense sabotaria o processo de paz retomado durante a  Conferência de Annapolis, nos EUA, em novembro de 2007, quando então Israel  assumira o compromisso de não expandir assentamentos em territórios ocupados, o  que fora interpretado pela comunidade internacional como condição para a  retomada do diálogo entre judeus e palestinos.
Para não deixar dúvidas que tudo não  passava de jogo de cena, dias antes da referida Conferência o governo israelense  haviam lançado processo licitatório para a construção de 307 novos imóveis no  assentamento de Abu Ghneim, numa parte da Cisjordânia anexada por Israel após a  ocupação de 1967. E, no final de março do ano passado, dias após Olmert aprovar  a referida expansão de assentamentos na Cisjordânia, autoridades israelenses  anunciaram a construção de 600 casas em uma colônia judaica em Jerusalém  Oriental, área vista pelos palestinos como a capital de um futuro Estado  nacional.
Na verdade, Israel jamais interrompeu um  só plano de expansão de assentamentos desde que assumiu esse compromisso, na  Conferência de Annapolis. O ritmo das construções, inclusive, só se  intensificou, especialmente na Cisjordânia e em áreas que Israel disse que  devolveria aos palestinos, diante de um eventual acordo de  paz.
Ato contínuo, o portavoz dos interesses  judeus na Organização das Nações unidas (ONU) logo tratou de criar um fato  político capaz de lançar uma cortina de fumaça sobre a política colonialista  israelense. Em visita a Jerusalém, em março último, o vice-presidente dos EUA,  Dick Cheney, após encontro com Ehud Olmert, afirmou à imprensa que "o Hamas, o  Irã e a Síria estão fazendo todos os esforços para 'sabotar' as negociações  entre israelenses e palestinos".
Segundo Cheney, Síria e Irã apoiariam as  ações do Hamas contra Israel.
Não era gratuita a velhacaria  estadunidense. Já se sabia, à época, a "intenção declarada de Barack Obama de  abrir conversações com a República Islâmica do Irã", uma "das principais  preocupações das administrações cessantes em Tel Aviv e Washington". Donde,  portanto, a atual ofensiva contra Gaza ser também "uma tentativa de provocar uma  reação iraniana que permita a retaliação israelense e dos EUA". Ainda segundo  Michael Warschawski, ativista da esquerda israelense e diretor do Centro de  Informação Alternativa de Jerusalém, "Nos últimos dias, o vice-ministro da  Defesa israelense, Ephraim Sneh, bem conhecido pela sua obsessão anti-iraniana,  vinculou sistematicamente os foguetes do Hamas (sic) ao Irã, sem, evidentemente,  apresentar quaisquer provas".
Noves fora o fato das principais ações de  sabotagem ao processo de paz retomado em Annapolis terem partido do governo  israelense, o caso é que os EUA jamais teriam moral alguma para criticar o  suposto apoio da Síria e do Irã a insurgentes palestinos, uma vez que a Casa  Branca colabora militarmente com Israel e assinou embaixo de todas as anexações  judias de territórios palestinos posteriores à ocupação israelense de 1967, as  quais, nunca é demais lembrar, jamais foram reconhecidas pela comunidade  internacional.
Aliás, é em função dessa referida ocupação  e das conseqüentes anexações que toda e qualquer ação palestina, seja ela  patrocinada ou não por insurgentes, é uma reação a essas arbitrariedades  israelenses e à partição do território palestino em 1948, então sob controle do  Reino Unido desde 1917.
"Lutamos com uma vantagem  moral".
Por considerar que o Estado judeu não  estava cumprindo seus compromissos, o Hamas não prorrogou, em dezembro último, a  trégua de seis meses estabelecida ainda em junho com Israel.
 
A mídia oficial, no entanto, vem se  encarregando de veicular a versão de Israel para a não prorrogação do  cessar-fogo, ignorando tanto as reiteradas sabotagens israelenses ao processo de  paz quanto a ordem mesma dos fatos.
Já se sabe que Israel preparava há seis  meses o genocídio em Gaza. Também já se sabe que os ataques palestinos contra o  sul de Israel, na noite do último dia 23, ocorreram em resposta à morte, pelo  exército judeu, de cinco militantes das Brigadas de Ezedin al-Qassam, braço  armado do Hamas. E se sabe ainda que, em novembro último, foi Israel que atirou  a primeira pedra após o cessar-fogo estabelecido em junho, em incursões por  terra e ar em Gaza, que resultaram na morte de 6 palestinos.
 
Portanto, ainda que isso fosse  historicamente relevante, não foi o Hamas que pôs fim ao  cessar-fogo.
Embora não seja relevante, mentir sobre  isso tem sido a tônica israelense. Para suas autoridades, os ataques palestinos  de dezembro último foram o motivo do início da ofensiva judia. A estratégia foi  tão bem sucedida que o governo alemão considerou o Hamas como o único  responsável pela escalada da violência na Faixa de Gaza, embora saibamos que a  recente história alemã não o autorize a apontar  responsáveis.
Para Ehud Barack, ministro israelense da  Defesa, Israel luta "com uma vantagem moral" sobre os palestinos. Enquanto "Eles  disparam contra civis deliberadamente, - afirmou Barack, Nós encurralamos os  terroristas e evitamos, na medida do possível, atingir civis quando a gente do  Hamas atua e se esconde intencionalmente em meio à  população".
Hoje, 6 de janeiro, o exército israelense  atacou a escola Al-Fakhura, no campo de refugiados de Jabaliya, no norte da  Faixa de Gaza, matando 40 palestinos, entre os quais estariam várias crianças.  Centenas de pessoas estavam dentro da escola administrada pela ONU tentando se  abrigar dos combates que ocorrem nos arredores do campo de refugiados, entre  soldados israelenses e palestinos.
Quando se está em meio a um fogo cruzado,  supõe-se que uma escola é um bom abrigo, principalmente quando se sabe que  israelenses possuem a "vantagem moral" de não disparar mísseis deliberadamente,  ao contrário dos palestinos.
Tudo isso tem se passado como se também já  não se soubesse que as motivações israelenses são mais políticas do que  militares.
Autoridades israelenses, no entanto,  negaram a sugestão de que estariam agindo "por ver uma janela de oportunidade  com Bush deixando a Presidência dos Estados Unidos e Barack Obama se preparando  para entrar na Casa Branca", segundo informou a Reuters.
"Por que tudo tem de estar conectado aos  EUA? Uma data muito mais importante para Israel é 10 de fevereiro", teria dito  um assessor israelense, referindo-se à eleição parlamentar que se  aproxima.
Ato falho? Não se sabe. O que há de  concreto é que "O bombardeio de Gaza aconteceu porque atendia aos interesses  políticos das partes envolvidas", segundo afirmou Adrian Hamilton em recente  artigo publicado na Folha de São Paulo, no último dia 02. Ehud Barak, ministro  da Defesa de Israel, "o impeliu, a ministra das Relações Exteriores, Tzipi  Livni, o aplaudiu, e o primeiro-ministro Ehud Olmert o sancionou porque há uma  eleição programada para fevereiro, e o líder da oposição e arquifalcão Binyamin  Netanyahu está na dianteira nas sondagens de intenção de voto. Barak, como líder  do Partido Trabalhista, e Livni, como líder do partido governista Kadima, estão  determinados a ser mais guerreiros que ele".
Talvez seja por isso, então, que a  popularidade dos trabalhistas israelenses venha subindo desde o início do  genocídio em Gaza.
Segundo pesquisa divulgada no último dia  02 pelo diário israelita Maariv, 95% da população israelense apóia a recente  incursão em Gaza, 80% sem reservas. Depois do início da ofensiva, 44% dos  israelenses passaram a ter uma "opinião positiva" sobre o trabalhismo de Ehud  Barack.
Os trabalhistas estavam em maus lençóis  antes da ofensiva israelense. Seus atuais 19 lugares no Parlamento ameaçavam ser  reduzidos para 12. Sondagens posteriores à ofensiva, porém, estimam que os  trabalhistas poderão obter 16 lugares.
O Likud, a principal força de oposição ao  atual governo, no entanto, continua a manter a dianteira nas pesquisas. O  partido, dirigido por Benjamin Netanyahu, que já foi primeiro-ministro  israelense, deverá obter 32 lugares, contra 28 do também governista Kadima, de  Tzipi Livni.
Ao que tudo indica, as "necessidades  demográficas" do governo israelense vêm dando lugar, gradativamente, a  necessidades políticas mais urgentes. Como um governo que massacra civis em nome  de suas pretensões eleitorais, então, pode reivindicar qualquer espécie de  "vantagem moral" sobre quem a elas reage legitimamente?







