Comer virou uma religião
Suzane Frutuoso - Revista Época - nº 504 de de 14/01/2008
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81030-9556-504,00.html
O sociólogo diz que as pessoas sentem cada vez mais culpa pelas refeições, em vez de prazer.
O americano Barry Glassner, autor do livro "Os Segredos da Alimentação Saudável" (editora Larousse), lançado em dezembro no Brasil, é um crítico da cultura alimentar contemporânea. Segundo ele, a fixação por alimentos saudáveis rouba o prazer de uma boa refeição. Glassner não tem qualquer vínculo com o universo da nutrição. Como sociólogo, estuda o medo. Ao perceber que muitas pessoas desenvolvem um pavor desproporcional em relação a alguns alimentos, decidiu refletir sobre o assunto. Para isso, entrevistou chefs, nutricionistas, psicólogos, jornalistas e representantes da indústria de alimentos.
Revista Época – Por que o senhor afirma que comer hoje é “uma religião”?
Barry Glassner – Historicamente, todas as sociedades construíram preferências e também proibições em relação à comida. Em geral, elas tinham a ver com ensinamentos religiosos. Por exemplo, a proibição da carne de porco tanto no islamismo quanto no judaísmo. No catolicismo, há a exigência do peixe na Sexta-Feira Santa. Nos dias de hoje, apesar de as cobranças das religiões sobre alimentação terem menos importância, um grande número de pessoas come como se seguisse uma religião. Temos rituais no preparo dos alimentos, no modo como comemos. Restaurantes são como templos e conferem status. Imaginamos que alimentos naturais serão especiais para nós de alguma maneira.
RE – Mas buscar uma alimentação saudável, para melhorar a qualidade de vida, não é importante?
Glassner – Sim. Sou a favor de uma alimentação saudável. Devemos ter uma dieta o mais equilibrada possível. Não significa idealizar certos tipos de comida. Por exemplo, comidas com altos teores de gordura são desconsideradas. A indústria criou os alimentos light. Mas a gordura é fonte de energia e também ajuda na absorção de uma série de nutrientes.
RE – O senhor diz que essa busca pela comida saudável se tornou um exagero. Mas o que vemos é o crescimento da obesidade no mundo todo...
Glassner – As explicações sobre a epidemia de obesidade são muito simplistas. As razões para o grande número de obesos não estão claras. A culpa é jogada nas cadeias de fast-food. Olhando cuidadosamente para as evidências, essa explicação não se sustenta. Nos Estados Unidos, dizem que a obesidade cresceu na mesma proporção que a indústria do fast-food ganhou força. Mas não é verdade.
RE – Não?
Glassner – Não mesmo. Nos anos 70, o McDonald’s chegou a 10 mil restaurantes só nos EUA. Outras cadeias de fast-food surgiram e cresceram também. Mas naquela época a epidemia de obesidade não aparecia. Uma verdade óbvia é que as pessoas estão mais gordas porque comem demais. Mais do que precisam. Mas também há pessoas obesas que não comem muito. Como explicar isso? E outras que comem muito e são magras. Temos de olhar para as respostas da ciência, como casos de hereditariedade. E os hábitos das pessoas, como comer muito e não se exercitar.
RE – É possível comer com prazer e ao mesmo tempo combater fatores de risco cardiovasculares como obesidade, diabetes, hipertensão, colesterol alto?
Glassner – É claro que existem pessoas com problemas específicos de saúde e que precisam de dietas especiais. Esse é o caminho para que tenham qualidade de vida, e não há muito o que mudar. Há restrições. Mas a maioria das pessoas que vão atrás de dietas especiais não se encaixa nessas condições de saúde que requerem mais cuidados. Elas querem apenas ser magras ou acreditam que comendo de uma forma específica vão viver mais. Por exemplo, alguém que sofre de diabetes não pode ingerir açúcar. Mas quem não tem, por que deixa o açúcar? Porque essa pessoa acredita que será melhor, quando na verdade pode até fazer falta dentro de sua dieta geral. Torna-se insuportável viver assim. A pessoa perde o prazer de se alimentar com o que gosta e enxerga a comida como algo negativo. Emocionalmente, não é saudável.
RE – O senhor não acha que comida gordurosa é um perigo?
Glassner – Ingerir em excesso alimentos com gordura é ruim para a saúde. Comer brócolis em todas as refeições também não faz bem. Qualquer coisa que se coma além da conta não terá um efeito positivo. Quero deixar claro que o ruim é focar uma pequena variedade de comida. E também se exceder no consumo dessa pequena variedade. Isso traz debilidades para o corpo.
RE – Qual é o povo que mais comete erros na hora de se alimentar?
Glassner – O americano é o pior. Os ingleses também. Esses povos consomem gordura trans demais, a mais artificial e prejudicial. Por outro lado, também consomem em excesso os alimentos livres de qualquer tipo de gordura, os light e diet. E ainda fazem refeições rápidas demais ou pulam refeições. As pessoas esquecem que, se não aproveitam e não sentem prazer durante as refeições, não alcançam reais benefícios para a saúde.
Ingerir em excesso alimentos com gordura é ruim para a saúde.
Comer brócolis em todas as refeições também não faz bem.
RE – O senhor diz que os nutrientes são mais bem absorvidos quando a pessoa come com prazer. Pode dar um exemplo?
Glassner – Um de meus estudos favoritos é o que compara mulheres da Suécia e da Tailândia e a reação delas ao comer um mesmo prato tailandês. As suecas acharam muito condimentado, enquanto as tailandesas absorveram muito mais ferro durante a refeição. Quando a pesquisa foi invertida, serviram-se hambúrguer, batatas e amendoins. Nesse caso, as suecas absorveram uma quantidade de ferro maior. As mulheres absorveram melhor os nutrientes de acordo com o prato que mais lhes agradava.
RE – Qual país é bom exemplo em alimentação?
Glassner – O exemplo famoso é a França. A tradição alimentar do país, de comer devagar e comer coisas de que gostam, é um orgulho para os franceses. Nada de produtos light. Eles comem manteiga, pães, doces... tudo o que os americanos dizem que é prejudicial. Mas as taxas de mortalidade por ataque cardíaco são próximas nos dois países.
RE – O que é uma boa refeição? Como ela pode ser prazerosa e saudável?
Glassner – O que importa é manter pelo menos duas das refeições diárias balanceadas, consumindo uma boa quantidade de frutas, legumes e verduras. As pessoas precisam gostar do que comem.
RE – Posso comer um pedaço de bolo de chocolate todo dia?
Glassner – Se você comer bolo de chocolate todo dia, será um exagero. Moderação é importante. Não coma bolo de chocolate todo dia.
RE – O que é o “evangelho da carência”, que o senhor cita no livro?
Glassner – É o hábito que as pessoas criaram de se submeter a essa visão de não comer de tudo, achando que será bom para a saúde. Elas criam carências nutricionais. Tiram da dieta várias substâncias, mesmo sem necessidade, como açúcar, carboidratos, gorduras. Acaba não sobrando quase nada. É uma estranha noção de que, quanto menos você ingerir, melhor será sua refeição. É uma loucura acreditar que o que faz uma refeição ótima é o que ela não tem.
RE – Quem é o atual vilão da alimentação? E qual vilão foi inocentado?
Glassner – Muda o tempo todo. Hoje, os vilões são alimentos com alto teor de gordura e carboidratos (pães, massas). O problema é que é muito difícil conseguir uma dieta saudável e prazerosa sem esse tipo de comida. É gostoso e ajuda o organismo a funcionar bem. Um bom exemplo de ex-vilão é o ovo. Há 20 anos, o ovo era demonizado por causa do alto colesterol. Hoje, os ovos são considerados um grande alimento porque têm muitos nutrientes e podem ser preparados e combinados em diferentes pratos.
RE – O que leva em consideração na hora em que escolhe uma refeição?
Glassner – A qualidade da comida, o quanto vou aproveitar o prato e o que mais comi durante o dia. Por exemplo, à noite sei que vou jantar peixe – que adoro. Então, não vou almoçar peixe. Escolho outro alimento para comer um pouco de tudo.
RE – O senhor já fez dieta? Corta alguma coisa do cardápio?
Glassner – Não. Nunca. E vejo a dieta como um paradoxo. As pessoas seguem dietas para emagrecer. Mas acabam ganhando peso novamente. Às vezes, até mais. Estudos mostram que pessoas que freqüentemente fazem dieta acabam engordando de novo. Dietas funcionam por um curto período.
RE – Então, seu conselho é “coma o que quiser”?
Glassner – Não. Se você comer excessivamente, não vai se sentir bem depois. Coma suas comidas favoritas, mas em pequenas quantidades. O maior erro que as pessoas cometem é comer grandes quantidades de poucos itens. Aí não agüentam nem comer os pratos que mais gostam.
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Uma alimentação sem radicalismos, com bom senso e equilíbrio, propicia mais saúde e consequentemente uma maior qualidade de vida. Drauzio Milagres.
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