Sim, elas podem ser cruéis
Martha Mendonça - Revista Época - 01/04/2010
http://revistaepoca.globo.com/
Um tabu impede que se discuta a maldade infantil.
Mas ela existe. E pode esconder transtornos graves.
Martha Mendonça - Revista Época - 01/04/2010
http://revistaepoca.globo.com/
Um tabu impede que se discuta a maldade infantil.
Mas ela existe. E pode esconder transtornos graves.
Aos 7 anos, T. convenceu seus pais, profissionais liberais de Belo Horizonte, a demitir duas empregadas domésticas. O motivo alegado: elas batiam nele. As duas negaram as agressões, mas o menino chegou a apresentar uma marca roxa no braço. Um ano depois, nova queixa sobre outra empregada. Revoltado, o casal decidiu colocar câmeras escondidas. O que viram foi uma surpresa: T. era o agressor, com pontapés e atirando brinquedos. No fim de uma semana, perguntaram se a empregada havia batido nele novamente. Choroso, T. respondeu que havia sido surrado na cozinha - onde as imagens não mostravam nada. Diante das sucessivas mentiras, foi castigado.
Três anos depois, reincidiu. Com os pais já separados, adquiriu o costume de tirar dinheiro da carteira dos dois, dizendo ao pai que era a mesada da mãe, e vice-versa. Os pais só descobriram a farsa durante uma discussão sobre dinheiro. Pouco antes, uma empregada fora mandada embora da casa da mãe depois do sumiço de R$ 50. T. disse que a vira pegar a nota. Diante disso, os pais concluíram que o menino precisava de tratamento. Poucas sessões depois, o diagnóstico foi duro: ele apresentava o chamado transtorno de conduta, nome formal para a velha "índole ruim".
"Não é fácil a sociedade aceitar a maldade infantil, mas ela existe", diz Fábio Barbirato, chefe da Psiquiatria Infantil da Santa Casa, no Rio de Janeiro. Ele explica que a criança ou adolescente que tem essa patologia pode se transformar, na vida adulta, em alguém com a personalidade antissocial - o termo usado hoje em dia para o que era chamado de psicopatia. "Essas crianças não têm empatia, isto é, não se importam com os sentimentos dos outros e não apresentam sofrimento psíquico pelo que fazem. Manipulam, mentem e podem até matar sem culpa", diz Barbirato. Por volta da década de 70 do século passado, teorias sociais e psicanalíticas tentaram vincular esse comportamento perverso à educação e à sociedade. Nos últimos anos, porém, os avanços da neurologia sugerem a existência de um fenômeno físico: imagens mostram que, nas pessoas com personalidade antissocial, o sistema límbico, parte do cérebro responsável pela empatia e pela solidariedade, está desconectado do resto.
Um obstáculo para o tratamento de crianças com sinais de transtorno de conduta é o próprio tabu da maldade infantil. O senso comum afirma que as crianças são inocentes - uma crença que resulta da evolução histórica da família. Até o século XVII as crianças eram consideradas pequenos adultos e muitas nem sequer eram criadas pelos pais. No século XVIII, isso mudou. A família burguesa fechou-se em si mesma, dentro de casa. O lar virou um santuário e a criança o centro dos cuidados e das atenções. Foi o nascimento do sentimento de infância, dentro de um grupo que agora tinha como laços o afeto e o prazer da convivência. Se a criança é o eixo do sentimento moderno de família, ela não pode ser má. Eis o tabu.
Desde que a novela das 9 da TV Globo, Viver a vida, foi ao ar, em setembro do ano passado, o Ministério Público do Rio de Janeiro acompanha de perto a personagem Rafaela. A menina, vivida pela atriz mirim Klara Castanho, de 9 anos, desagradou à Justiça. O autor, Manoel Carlos, foi notificado. No documento, um pedido para que ele tenha "cuidado ao elaborar a personalidade de personagens cujos atores são menores de idade". Na trama, Rafaela é uma menina mimada, que, para defender seus interesses, faz chantagem com uma amiga de sua mãe. Rafaela não pratica a maldade sem motivações concretas ou demonstra curiosidade mórbida. Ainda assim, o Ministério Público considera a personagem pouco adequada. Criança, aparentemente, não pode ser vilã.
As escolas, porém, desmentem isso: elas costumam ser o palco diário das maldades das crianças com transtorno de conduta. A psiquiatra carioca Ana Beatriz Barbosa Silva, autora do best-seller Mentes perigosas, diz que crianças e adolescentes com esse distúrbio costumam estar por trás dos casos mais graves de bullying. Em maio, ela lançará Bullying - Mentes perigosas nas escolas, com foco na maldade infantil. "É típico do jovem com transtorno de conduta saber mentir e manipular para que os outros levem a culpa", afirma. Barbirato faz uma ressalva. "Pequenas maldades e mentiras são absolutamente comuns na infância. De cada 100, cerca de 97 têm comportamento normal e, ao amadurecer, saberão diferenciar o certo do errado e desenvolverão a empatia", diz.
Mas, e os 3% que faltam? Serão obrigatoriamente personalidades antissociais na vida adulta, seres sem empatia? Os especialistas são taxativos ao afirmar que não se cura transtorno de conduta. Ele será, no máximo, amenizado se tratado a tempo e houver sempre algum tipo de vigilância. Na maior parte dos casos, porém, isso não acontece. E o resultado de ninguém ter notado esses sinais durante a infância aparece de forma trágica. "Essa criança poderá ser um político corrupto, um fraudador, até um torturador físico ou emocional, chegando a um assassino em série", diz Ana Beatriz.
Os especialistas afirmam que não se cura transtorno de conduta,
mas ele pode ser amenizado.
mas ele pode ser amenizado.
No último domingo, um exemplo extremo ocorreu na Pensilvânia, Estados Unidos. Jordan Brown, de apenas 11 anos, deu um tiro na nuca da namorada do pai, grávida de oito meses. O menino chegou a conseguir enganar a polícia dizendo que uma caminhonete preta havia entrado na propriedade da família. Mas a arma foi encontrada em seu quarto. A polícia não entendeu a motivação do crime. "Há casos em que a explicação é simplesmente uma curiosidade mórbida", afirma Ana Beatriz. "Todos nós, quando pequenos, temos essa curiosidade. Mas, por volta de 4 ou 5 anos, começamos a ter a percepção do outro. O que não acontece com quem tem o transtorno de conduta". A falta de tratamento dessas crianças é, muitas vezes, consequência da ignorância ou da falta de recursos. Mas não só. A estrutura familiar de hoje, com pais trabalhando fora o dia todo e com tendência a dar poucos limites aos filhos, favorece o desenvolvimento do transtorno de conduta. Qualquer criança que não é repreendida pelo pais sobre seus erros tende a crescer pouco civilizada. Se ela tem uma tendência antissocial, não haverá amarras para esse comportamento.
O relato de um psiquiatra do Rio Grande do Sul mostra quanto é difícil pais assumirem a necessidade de tratamento dos filhos. Em 2008, ele teve como paciente R., de 11 anos. A menina colocara fogo na mochila de uma colega de turma. Repreendida por professores e pais, teve como reação apenas rir. No ano anterior, fizera o mesmo com o rabo do cachorro de uma prima. Questionada, disse apenas que a prima não merecia ter um cachorro. Durante o tratamento, R. afirmou ao psiquiatra que não nutria nenhum sentimento especial em relação aos pais. "Ela tinha um olhar frio e uma ironia extremamente precoce para sua idade. Não sentia culpa. R. me tratava como um empregado", diz o psiquiatra. Depois de um ano de tratamento, os pais acharam que ela estava melhor e poderia interromper as sessões. "Ela os manipulou - e disse a mim, explicitamente, que fingiria estar melhor e conteria seus atos. Contei a eles, mas não acreditaram em mim", afirma. R. jamais voltou a seu consultório.
* * * * * * * *
Amigo Drauzio,
ResponderExcluirPost bastante informativo. As pessoas tendem a ignorar estes fatos.
Mas os transtornos da infância são os mais variados e acontecem com frequência. Muitas vezes é difícil para os próprios pais ou familiares admitir que o filho precisa de um tratamento.
Os transtornos de conduta são a mesma coisa que o transtorno de personalidade antissocial. É apenas uma questão de designação pela faixa etária, pois o manual CID10 da OMS preconiza que antes dos 18 anos seja chamado transtorno de conduta.
E garanto-lhe amigo que tenho acompanhado casos difícieis de infantes que apresentam o transtorno, nos meus atendimentos diários.
Enfim, ótima matéria.
Parabéns pela informação.
Abraços
Olá meu amigo!
ResponderExcluirNossa, que matéria forte! Muito importante, mas te confesso que me causa arrepios! Eu, quando assistia as "maldades" da personagem Rafaela em Viver a Vida, ficava aqui em casa me contorcendo! A gente sempre diz: "Se fosse minha filha...", quando na verdade a questão é muito mais profunda, como explica extraodinariamente essa sua matéria. Tratar a superfície parece fácil. Mas, tenho certeza de que essas crianças já nascem com esse perfil e, infelizmente, o mundo de hoje contribui para que isso prolifere. Lamentável!
Grande abraço!
Jackie
Olá,
ResponderExcluirEste é um assunto recorrente em escolas. Minha esposa é professora e tem que aprender a lidar com os mais incríveis casos de maldade infantil. Este é um assunto importantíssimo, que deve ser lidado com responsabilidade e sem os sentimentalismos próprios dos latinos. È real. Os 3% (será somente isto mesmo??!!) da população que não amadurecem o seu grau de parcpeção do direito de outros, tornam-se perigos extremos para a sociedade.
Parabéns!
Tecnicamente, porque um simples advogado, não acho que sou a pessoa mais recomendada para falar sobre o tema, mas acho que as minhas experiências de vida e profissional me dão algum respaldo para comentar o assunto.
ResponderExcluirCom certeza, algumas crianças são más! Nascem más!
Acredito nisso porque a transmissão de características hereditárias se opera através dos genes que são transmitidos dos pais para os filhos, e na minha profissão já lidei com muito bandido filho de bandido, matador porque filho de matador.
A herança genética, genótico, de um indivíduo já se encontra no ovo. O ovo resulta da união do espermatozoide (onde está a herança genética do pai), com o óvulo (que guarda a herança genética da mãe). Quando os genes (um do pai e outro da mãe), que determinam um carácter são iguais, podemos dizer que estamos diante de uma situação de homozigotia.
Quando os genes (um do pai e outro da mãe), que determinam um carácter são diferentes, estaremos diante do fenômeno da heterozigotia.
Num caso de heterozigotia, o filho apresenta, ou o carácter do pai, ou o carácter da mãe, ou apresenta uma situação nova resultante da combinação dos genes do pai e da mãe.
Se apresenta o carácter do pai, podemos dizer que esse carácter é dominante e o da mãe é recessivo. Dizemos ainda que esse filho é portador do carácter recessivo da mãe, porque o tem no seu genótipo mas não se manifesta. Se o que surge é uma mistura dos dois carácteres (do pai e da mãe) dizemos que não há dominância.
Acho que isso explica o porque da minha tese!
Oi Drauzio,
ResponderExcluirEu já havia lido sobre este assunto numa coleção de livros da minha mãe, que é professora aposentada. Os livros, que eram sobre educação, já eram um pouco antigos, creio que do final da década de 60 ou início dos anos 70. Falava de vários problemas que poderiam surgir nas crianças, dos mais simples aos piores. O último tema tratado era justamente este: a perversidade infantil. Eu achava difícil acreditar que crianças poderiam ser assim, mas entendi que se trata de um problema mental, assim como pode haver outros tão difíceis quanto este, embora eu acho que este problema é o pior de todos.
Olá Drauzio,
ResponderExcluirConcordo que como o Carlos Roberto de Oliveira relatou, seja este um dos motivos, outro motivo possível, eu acredito ser o organico, onde o corpo não produz certas substancias que fazem com que seu cerebro tenha a capacidade de detectar sentimentos mais nobres e a terceira hipotese, já que tenho a crença reencarnacionista, é a herança de vidas passadas, trazendo a tona ainda enquanto criança a personalidade de uma vivencia anterior.
Abraços
Giba
Seriam más ou mal conduzidas? Muito bom seu texto.
ResponderExcluirAbraços forte
Amigo ,
ResponderExcluirPara provar o meu respeito e admiração, deixei em meu blog um selo para você. Se puder, gostaria que desse uma olhada:
http://massoterapeuta-no-rio-de-janeiro.blogspot.com/2010/05/sunshine-award.html
Grande e carinhoso abraço,
Francisco
Massoterapeuta rj
Estou vivendo uma situação onde uma amiguinha da minha filha demonstra várias caracteristicas de maldade. Pedi para que minha filha se afastasse da menina aos poucos, mas é difícil explicar para uma criança de 09 anos. Tive que explicar na linguagem dela que existem crianças que tentam nos prejudicar o tempo todo, mas que não devemos ignora-las... Tenho medo que a menina perceba que minha filha esta se afastando e cause mais situações, tentando prejudica-la.
ResponderExcluir