Drinques de laboratório
Graham Lawton - New Scientist - 26/04/2010
http://info.abril.com.br/
Vikram Vetrivel / Creative Commons
A gastronomia molecular usa a ciência para reinventar a arte de preparar coquetéis.
"Seria ótimo ter acesso à cromatografia", Spike Marchant diz melancolicamente. Como jornalista de ciência, é o tipo de observação que espero ouvir das pessoas que entrevisto. Mas Marchant não é um cientista, ele é um barman. Veja bem, um tipo muito especial de barman. O que Heston Blumenthal, Ferran Adrià e outros têm feito pela culinária Marchant, seus colegas querem fazer pela bebida. "Não somos cientistas, mas podemos usar as ideias dos cientistas", diz Tony Conigliaro, a força criativa por trás do 69 Colebrook Row, um bar acolhedor no norte de Londres onde tive a oportunidade de conhecer e provar o futuro dos coquetéis.
Sua cruzada é uma extensão lógica do movimento da gastronomia molecular. Ao longo das últimas décadas, chefs e cientistas pioneiros como Hervé This têm pensado diferente sobre os alimentos e o ato de cozinhar. Só porque determinados pratos sempre foram feitos de certa forma, isso faz com que esse seja o caminho certo? A ciência pode explicar ou mesmo melhorar a tradição culinária? Assim nasceu uma revolução de técnicas e sabores de dar água na boca.
Essa maneira de pensar agora está sendo aplicada à mixologia, a arte de fazer coquetéis. "As pessoas estão pensando em coquetéis de maneira mais experimental e exploratória", diz o escritor de ciência da alimentação Harold McGee. "Trata-se de usar ferramentas e ingredientes que nunca foram utilizados para fazer coquetéis". Como era de se esperar, a expressão "mixologia molecular" já está circulando por aí, embora os mixologistas em si não pareçam gostar dela.
Cozimento a vácuo
Sou levado ao andar de cima, para o laboratório de Conigliaro - uma mistura de cozinha e laboratório de química, apertada e de teto baixo, cheia de coisinhas brilhantes. A primeira coisa que ele me mostra é um banho-maria a temperatura controlada. O aparato não ficaria deslocado em nenhuma bancada de laboratório, mas é na verdade um equipamento de cozinha concebido para uma técnica chamada sous-vide (francês para "no vácuo"). A comida é embalada a vácuo e cozida por horas, ou mesmo dias, a temperaturas baixas, 70° C ou menos. Os chefs dizem que isso preserva as moléculas de sabor delicado que são perdidas em temperaturas mais altas ou por meio do cozimento prolongado comum.
Conigliaro usa o equipamento para fazer seu gim com infusão de ruibarbo. "Descobri que se você cozinha a fruta em álcool, no vácuo, a precisamente 52° C, obtém um produto de sabor mais limpo, mais vivo e mais preciso", diz ele. "Também é muito melhor que marinar. Se você apenas mergulha o ruibarbo, a fruta se desfaz". Conigliaro tem usado essa técnica para infundir sabores em bebidas destiladas - framboesas em tequila, pétalas de rosa em vodca, groselha em gim.
Como estou descobrindo rapidamente, mixologistas moleculares são obcecados por sabor. "Coquetéis são mais simples que comida, eles são essencialmente sabor", diz McGee. Isso explica o uso pesado de outro ingrediente mágico da gastronomia molecular: as essências alimentícias. Esses extratos superconcentrados podem ser usados em quantidades mínimas para dar sabores inesperados às bebidas.
Maçã com gosto de feno
Entre as técnicas à disposição de Conigliaro, o vácuo se destaca. Ele me conta sobre uma de suas últimas criações, o Somerset Sour (brandy de maçã, suco de limão, açúcar, clara de ovo e sidra), inspirado pelos aromas do início do outono. O coquetel inclui uma pequena surpresa: uma maçã em miniatura flutuando, feita a partir de uma variação crocante da fruta, conhecida como "pink lady". Conigliaro me dá uma para comer; além de crocante, tem sabor intenso de maçã, mas também tem gosto de alguma coisa que não consigo identificar. "É de feno", ele diz.
As bolas de maçã foram infundidas com essência de feno recém-cortado, usando uma técnica chamada vácuo inverso. Conigliaro me mostra como funciona. Primeiro, ele coloca as bolas de maçã e algumas gotas da essência em uma câmara de vácuo e, gradualmente, retira o ar. O suco de maçã é sugado e se mistura com a essência. Então, ele libera o vácuo, forçando o suco de maçã temperado com feno de volta para dentro da fruta. A técnica é incomparável para a adição de sabores inesperados. "Fizemos abacaxi com sabor de gengibre, maçã com gosto de abacaxi, cereja com sabor de laranja", diz Marchant.
O Somerset Sour finalizado também contém uma surpresa, que Conigliaro chama de ovo de feno. A criação é inspirada numa técnica inventada por Adrià, e usada em seu lendário restaurante El Bulli, na Catalunha. Para fazer um ovo de feno, você congela uma pequena esfera de líquido altamente aromatizado e, em seguida, a mergulha em gelatina. Conforme a gelatina endurece, o líquido derrete, criando um pacote de sabor delicado que explode no momento em que atinge a boca. Essa técnica também é a base do coquetel mais complexo inventado por Conigliaro até o momento, sua versão para a ostra da pradaria.
A ostra da pradaria tradicional (ovo cru, gema intacta, suco de tomate, molho inglês e sal) foi criada para curar ressaca. A versão de Conigliaro inclui vodca e um ovo de suco de tomate no estilo El Bulli. Primeiro o suco é clarificado, misturado com a gelatina, congelado e descongelado novamente (a gelatina retém os pigmentos, mas libera as moléculas de sabor), e por fim tingido de amarelo. A gema com sabor de tomate fica boiando num coquetel de vodca, temperos, aipo, sal e Tabasco, coberto com espuma de molho inglês e servido numa concha de ostra. "Ele foi feito para ser sugado", diz ele. "A gema pula dentro de sua boca, mas em vez do gosto de ovo, você saboreia uma surpreendente explosão de tomate".
Sementes de uva
Estou me acostumando com as surpresas. Isso é grande parte do que os mixologistas fazem: pegar a expectativa e virá-la de ponta-cabeça. "Nós atualizamos e modificamos receitas antigas", diz Conigliaro. "Gostamos de fazer bebidas clássicas, mas levando as para outra direção". Isso nos conduz a outro clássico: o Dry Martini (55 mililitros de gim, 15 mililitros de vermute seco, decorado com uma azeitona verde ou um toque de limão). Este é um drinque que funciona como limpeza do paladar para o jantar, já que a secura do gim estimula a produção de saliva. "Eu queria criar o Martini mais seco possível", diz Conigliaro.
Os gastrônomos moleculares sabem que os compostos chamados taninos - encontrados no chá, no vinho tinto e em frutas verdes - têm o efeito natural de ressecar a boca, pois reagem com as proteínas na saliva e reduzem suas propriedades de lubrificação. "Eu queria usar isso", diz Conigliaro. A resposta foi encontrada nas sementes de uva, ricas em tanino. Usando outro equipamento a vácuo, chamado evaporador rotativo, ele extraiu 25 mililitros de tanino quase puro de 1 quilo de sementes de uvas maceradas. Para um elixir com a capacidade de transformar a boca num deserto, 25 mililitros rendem muito. Ao fazer o Super Dry Martini, Conigliaro pipeta 150 microlitros dessa essência "seca" em uma garrafa de vermute. Quando misturado ao Martini, ele causa um efeito estranho na boca. O tanino aumenta a salivação, e quanto mais saliva você produz, mais aguçado fica o paladar.
Pergunto a Conigliaro no que ele vai trabalhar em seguida. Ele me fala sobre uma bebida que um dia criou e batizou de Phantom Silver, em homenagem a um Rolls-Royce. Era um Dry Martini com prata coloidal suspensa, servido em um suporte de copo infundido com essência de couro para evocar o interior de um carro antigo. "Estou interessado em sabores metálicos e minerais", diz ele. "Todos nós sabemos que gosto é esse, gosto de sangue e água mineral", diz ele. "Eu gostaria de criar um coquetel com esses sabores metálicos. Um coquetel de alquimista".
* * * * * * * * * * * * * * * *
Entre no Blogger "O Mundo No Seu Dia-a-Dia" e faça seus comentários.
Atenção:
Não mostre para os outros o endereço eletrônico de seus amigos.
Retire todos os endereços dos amigos antes de reenviar.
Não use o campo "Cc" (com cópia)! Use sempre o campo "Cco" (cópia oculta) ou "Bc" (BlindCopy).
Dificulte o aumento de vírus, spams e banners.
Participe desta campanha, incluindo o texto acima em suas mensagens.
* * * * * * * * * * * * * * * *
Em breve compraremos, nas prateleiras do mercados, pílulas de refeições. Vai aí um pílula sabor feijoada?
ResponderExcluirAbraços
A ciência sempre avançando mais em determinadas áreas enquanto outras ficam estáveis.
ResponderExcluirabraços forte