Para escutar o som do silêncio
Susan Andrews - Revista Época nº 471 de 28/05/2007
Será que estamos todos sofrendo de Transtorno de Déficit de Atenção? O psicanalista Edward Hallowell, autor de diversos livros sobre o tema, diz que sim. Vivemos no que ele chama de Estado F - frenético e furioso - em vez do Estado C - calmo e centrado. Considere as semelhanças entre o Estado F, tão comum na vida moderna, e os sintomas de déficit de atenção:
• o ter dificuldade para focar a atenção por mais de uns poucos segundos, desligando no meio de uma conversa;
• apresentar tendência a ser irrequieto, se mexendo constantemente;
• tocar muitos projetos de uma só vez, mas sem conseguir acompanhá-los;
• inabilidade para ouvir, interrompendo freqüentemente quem fala;
• estar constantemente preocupado, com uma compulsão crônica para alterar o estado mental, por meio de álcool, drogas, comida ou consumismo;
• ter intolerância ao tédio e incessante ânsia por alta estimulação.
Os estudantes hoje em dia são ensinados a aplicar o célebre princípio 80/20 do economista italiano Vilfredo Pareto em seus estudos. "Obtenha 80% da informação em 20% do tempo simplesmente lendo o título, o subtítulo, os trechos em negrito, o último e o primeiro parágrafos - gastando apenas de 30 a 45 segundos", recomendam os especialistas. Hallowell, no entanto, lamenta: "Em vez de vidas reflexivas, para ser saboreadas, as pessoas correm o risco de levar vidas superficiais, e mal se dão conta disso".
Como os sábios há muito nos têm aconselhado, não fazer nada pode algumas vezes ser mais importante que fazer algo. E o silêncio pode ser mais eloqüente que a fala. O compositor francês Debussy disse: "A música é o espaço entre as notas".
Anos atrás, assisti a um concerto do compositor avant-garde americano John Cage. Uma experiência memorável. Água sendo despejada dentro de um recipiente vazio, o embaralhar das cartas de um baralho e a estática produzida por um rádio, entre outros sons. Isso é o que Cage chamava de "música do dia-a-dia", derivada de uma percepção ampliada do mundo a nossa volta. Cage explicou: "Agora, quando vou a um coquetel, eu não ouço barulho. Ouço música".
Mas a composição mais inesquecível foi a 4'33''. Os artistas permaneceram sentados imóveis por exatamente quatro minutos e 33 segundos, empunhando seus instrumentos, sem tocá-los. Um tempo de silêncio absoluto, precisamente cronometrado. Ou quase absoluto, não fossem algumas tossidelas dos músicos. Depois de tantos anos, ainda posso "ouvir" aquele momento.
Cage sempre foi fascinado pelo silêncio. (De fato, sua gravadora tem o direito autoral do silêncio. Imagine só!) Ele chegou a ir para uma câmara à prova de som na Universidade Harvard, para experimentar a pura ausência de ruído. Lá, Cage se surpreendeu ao ouvir dois sons: um alto - seu sistema nervoso - e outro baixo - a circulação de seu sangue. Como descreveu Cage: "Esses sons estavam vibrando sem nenhuma intenção de minha parte. Aquela experiência deu uma direção a minha vida - a exploração da não-intenção. E me dei conta de que o silêncio não é de natureza acústica. Ele é uma alteração mental, um girar para dentro".
Para aqueles de nós que sofrem de déficit de atenção, Cage tem um bom conselho: "Se algo se tornar tedioso após dois minutos, tolere até quatro, e depois até oito. Depois até 16, e depois até 32 minutos. No final das contas, você descobre que aquilo não tem tédio nenhum".
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Que o "silêncio" não seja nunca devido a "omissão", mas sim, e sempre, uma "ação". Essa "ação" até pode ser uma "não-ação", mas sempre alicerçada em uma escolha consciente. Um abraço. Drauzio Milagres.
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