A igreja de 130 milhões
Solange Azevedo - Revista Época nº 490 de 08/10/2007
Lavagem de dinheiro, estelionato e sonegação fiscal
podem estar por trás da fortuna dos fundadores da Renascer.
Fé ou Má-Fé?
Estevam e Sônia Hernandes, nos Estados Unidos,
onde foram condenados à prisão por entrar com dinheiro não declarado.
Não era apenas sob a capa de uma Bíblia e camuflados no meio da própria bagagem que a bispa Sônia e o apóstolo Estevam Hernandes Filho, fundadores da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, mandavam dólares para os Estados Unidos. Uma conta conjunta do casal e da filha, Fernanda, no Wachovia Bank, em Boca Del Mar, na Flórida, recebeu durante cinco anos e meio US$ 1,898 milhão em créditos. A bolada, equivalente a R$ 3,5 milhões, foi depositada no banco americano entre dezembro de 2000 e julho do ano passado. As remessas costumavam ser feitas em pequenas quantias. Uma técnica muito utilizada por quem quer escapar da vigilância das autoridades fiscais americanas, segundo especialistas. O patrimônio da família, calculado pelo Ministério Público, seria de pelo menos R$ 130 milhões.
De acordo com um documento obtido por ÉPOCA, os créditos vinham crescendo nos últimos tempos. Entre 29 de dezembro de 2005 e 27 de janeiro de 2006, por exemplo, foram depositados US$ 146.987,35 na conta. No mesmo período, os débitos em cheques somaram US$ 113.917,74. O histórico da movimentação foi publicado com exclusividade no portal de ÉPOCA na internet. O juiz do caso, Paulo Antônio Rossi, da 1a Vara Criminal de São Paulo, e o promotor Marcelo Mendroni não se manifestaram sobre o conteúdo do documento. Mendroni, no entanto, afirma que grande parte do dinheiro foi enviada ilegalmente aos Estados Unidos, por intermédio de doleiros. "Há fortes indícios de que a origem desses recursos seja ilícita. O que configura lavagem de dinheiro", afirma. Em nota, os Hernandes negam ter lavado dinheiro. O advogado dos Hernandes, Luiz Flávio Borges D'Urso, disse que não poderia fazer comentários porque desconhecia o assunto.
Nos Estados Unidos, os dólares eram destinados ao pagamento apenas de despesas pessoais da família em lojas de departamentos, como as populares Macy's e Sears. Também serviam para luxos, como o financiamento de automóveis Lincoln e Cadillac. Em 2000, Estevam e Sônia pagaram US$ 465 mil por uma casa de luxo em Boca Raton, na Flórida. Hoje, a casa está avaliada em US$ 2 milhões. Eles costumavam viajar para lá pelo menos duas vezes por ano. "Em cada viagem, levavam em média US$ 100 mil não declarados, em espécie", afirma Mendroni. Em janeiro, o casal foi preso ao tentar desembarcar no aeroporto de Miami com US$ 56.400 não declarados à alfândega americana. A ilegalidade rendeu a cada um deles a condenação a 140 dias de cadeia, cinco meses de prisão domiciliar e mais dois anos de liberdade vigiada nos Estados Unidos. As penas estão sendo cumpridas de maneira intercalada. Enquanto Estevam está na cadeia, Sônia cumpre prisão domiciliar. Em janeiro, será a vez de a bispa ser encarcerada. "Eles preferiram cumprir pena em períodos distintos para poder tocar a igreja, mesmo de longe", afirmou o bispo José Bruno em um evento no Espaço Renascer na manhã de 30 de agosto. À Justiça americana, o casal havia dito que o motivo seria cuidar do filho mais novo, ainda adolescente.
Os Hernandes demonstraram ser capazes de ganhar – e gastar – dinheiro como poucos. A soma creditada na conta dos Estados Unidos nem é tão grande assim se comparada ao que Sônia, Estevam e os filhos esbanjavam no Brasil. "Eles costumavam gastar mensalmente entre R$ 500 mil e R$ 600 mil só com despesas pessoais", diz o promotor Mendroni. A nova descoberta do MP complica ainda mais a situação dos Hernandes com a Justiça brasileira. Sônia e Estevam respondem a três processos criminais no país. São acusados de lavagem de dinheiro, estelionato, falsidades diversas e sonegação fiscal.
As investigações do Ministério Público sobre a Renascer começaram após a publicação de duas reportagens de capa da revista ÉPOCA, em 2002. A bispa, o apóstolo e empresas ligadas a eles são réus em 84 ações cíveis apenas no Estado de São Paulo. Há ações de despejo, execução de títulos e pedidos de indenização. Quando fez a denúncia, ÉPOCA foi processada pelo casal por danos morais e condenada, em duas instâncias, a pagar indenização que pode chegar a R$ 400 mil. A Editora Globo recorreu. O caso está no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Vida de Luxo
Condomínio onde o casal tem uma casa avaliada em US$ 2 milhões.
Filho de jardineiro e dona de casa, Estevam começou a trabalhar aos 10 anos para ajudar os pais. Seu primeiro emprego foi num açougue. Em 1980, candidatou-se à vaga de representante comercial da Xerox. Morava de aluguel em um pequeno apartamento na zona sul de São Paulo e tinha um Passat ano 1979. Sônia ajudava a pagar as contas trabalhando na loja de uma tia. De lá para cá, a família toda prosperou. A filha do casal, Fernanda, é dona de um haras em Atibaia, no interior de São Paulo, que vale entre R$ 4 milhões e R$ 6 milhões. Felippe, o filho mais velho, é bispo da Renascer, cria cavalos da raça manga-larga marchador e tem empresas. Ganha R$ 20 mil em apenas uma delas. Ele e Fernanda, que é pastora, estão sendo monitorados por autoridades americanas.
Mesmo cumprindo prisão domiciliar na Flórida, Sônia conduz pelo menos três cultos semanais por satélite. Na quarta-feira 3, ela falou aos fiéis durante mais de 45 minutos. "O apóstolo viu um arcanjo de 30 metros de altura entrar no quarto (cela) dele. E ele (o arcanjo) trouxe revelações sobrenaturais", afirmou a bispa. Da cadeia, Estevam redige os sermões para a mulher e cartas para os fiéis. "Como Paulo, digo a vocês, obrigado pelas vossas orações e nunca se esqueçam do vosso Pai e prisioneiro em Cristo." Com a prisão preventiva de Sônia e Estevam decretada no Brasil e o pedido de extradição deles feito às autoridades americanas, a expectativa do Ministério Público é que os dois cumpram pena nos Estados Unidos e, logo em seguida, desembarquem direto em uma cadeia brasileira.
Movimentação Milionária
Documento obtido por ÉPOCA mostra os valores depositados e sacados
em uma conta bancária dos Hernandes nos Estados Unidos.
Os maiores valores estão em destaque.
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