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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Gaza: Perguntas e Respostas


Gaza: Perguntas e Respostas

Emir Sader - Agência Carta Maior - 06/01/2009
http://www.cartamaior.com.br/


1) A questão de fundo dos conflitos na Palestina é o veto dos EUA e a oposição militar de Israel contra a resolução da ONU do direito de existência de um Estado de Israel e de um Estado Palestino. O Estado israelense existe, porém os EUA - com seu veto no Conselho de Segurança - e Israel, com a ocupação dos territórios palestinos, impedem que a resolução da ONU seja posta em prática - única solução justa e com possibilidade de promover uma paz duradoura na região.

2) Nas eleições mais democráticas de toda a região - conforme atestado da própria Fundação Carter - o Hamas foi eleito. As potências ocidentais promoveram o boicote, junto com Israel, desconhecendo a vontade expressa dos palestinos. Essa é a raiz mais imediata dos conflitos atuais.

3) Se o Hamas é considerado uma organização terrorista e nunca invadiu territórios israelenses, como deve ser considerado o Exército de ocupação israelense?

4) A teoria das "guerras humanitárias" da Otan, formulada por Tony Blair, promoveu o bombardeio e a intervenção na Iugoslávia, acusada de promover uma limpeza étnica. Não se aplica a mesmíssima teoria a Israel?

5) O que se deve fazer para que Israel pare a "carnificina" - a expressão é do Lula - em Gaza?

6) A ruptura da trégua não foi feita pelo Hamas, mas por Israel, que em novembro matou a 6 dirigentes da organização.

7) O presidente da União Européia, presidente da República Checa, disse que "a ação de Israel é defensiva" (sic). Argumento similar utiliza a corrente revisionista da história alemã, que alega que os campos de concentração do nazismo foram uma ação preventiva (sic) em relação à repressão bolchevique na URSS.

8) A tese central do sionismo é a de que Israel é um povo escolhido, segundo sua interpretação dos textos religiosos. Ela vem de muito antes do nazismo. Daí que o holocausto sofrido na Alemanha não poderia ser comparado com nada. Isto é, o sofrimento alheio, inclusive o perpetrado por eles, nunca é igual ao deles. Têm em comum com os EUA a tese de que seria um poço predestinado para resgatar a humanidade da barbárie, impondo-lhe seu sistema político, fundado supostamente na liberdade.

9) Israel justifica o bombardeio indiscriminado de todos os lugares de Gaza, porque em qualquer lugar, segundo eles, - nas mesquitas, nas escolas, nos hospitais, etc. - poderiam estar escondidas bombas e militantes do Hamas. A Universidade atacada seria antro de professores e estudantes do Hamas. Atacam tudo com a mesma visão norte-americana no Vietnã: haveria que tirar a água (o povo) do peixe (os militantes). Assim buscaram destruir o Vietnã inteiro, com bombas napalm e bombas terrestres, que até hoje os vietnamitas ainda estão retirando.

10) Corre por ai um argumento envergonhado de defender a carnificina israelense, perguntando o que faria o Brasil se um país fronteiriço - alguns se atrevem a mencionar o Uruguai - ameaçasse a existência do Brasil, sugerindo que deveríamos fazer com nosso vizinho do sul o que Israel faz com os palestinos em Gaza: uma guerra de extermínio. Em primeiro lugar, o Brasil não ocupa nenhum outro país e se algum governo aventureiro tentasse fazê-lo, não teria nenhuma possibilidade de conseguir o consenso interno que Israel obtêm para fazer a guerra contra os palestinos, há forças democráticas internas que impediriam. Foi preciso uma feroz ditadura militar para poder mandar tropas para a República Dominicana, junto com as dos EUA, para afogar um movimento democrático naquele país. Em segundo lugar, o Uruguai, país de muito longa tradição democrática, nunca significaria riscos de extinção para o Brasil, nem nenhum outro vizinho. É um sofisma esse argumento, da mesma forma que o do Obama visitando Israel na campanha eleitoral, quando disse que se ameaçassem suas filhas dormindo na sua casa, se permitiria qualquer ato de agressão para defendê-las. Seu silêncio atual demonstra como as filhas de israelenses são privilegiadas em relação às dos palestinos, que ocupam diariamente a imprensa, feridas, aterrorizadas ou nas morgues, esperando lugar para serem enterradas. Quem hoje não se indigna diante do massacre israelense e se refugia no silencia ou em sofismas, perdeu a humanidade há muito tempo.

11) Pode-se fazer tudo com os mísseis, menos sentar em cima deles (para adaptar a fórmula clássica à época dos mísseis, antes eram baionetas). Isto é, uma vitória militar pode ser perdida politicamente por Israel. No Vietnã também a proporção era de uma vítima norte-americana por 10 ou 100 vietnamitas (lá também se matava indiscriminadamente e se dizia que eram guerrilheiros; todo morto virava guerrilheiro). Em algum momento se terá que estabelecer um novo acordo político e que acordo Israel acredita possível com o ódio que gera a carnificina que está produzindo e com o repúdio da opinião pública internacional?

12) Nenhum povo do mundo que oprime um outro, poderá viver em paz. Israel nunca terá paz, antes dos palestinos terem o mesmo direito deles - possuir um Estado soberano.

13) Mais do que nunca os judeus de esquerda, progressistas ou simplesmente pacificas, os que não estão de acordo com o massacre de Israel contra o povo de Gaza, tem que se manifestar, para que não se generalize a justa condenação de Israel e do sionismo, com a totalidade dos judeus.

14) Eu não tenho raízes islâmicas, apesar do meu nome. Sou filho de libaneses maronitas/católicos. Minha identificação com os palestinos hoje é a mesma que tive - como tantos - com os vietnamitas. Hoje, SOMOS TODOS PALESTINOS.


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Emir Sader




domingo, 11 de janeiro de 2009

Pelo Imediato Rompimento com Israel



É possível romper relações com Israel sem declarar apoio ao Hamas ou abandonar a posição neutra em relação ao conflito palestino-israelense. O que não dá mais é para assistir calado ao extermínio de um povo.

Maurício Thuswohl


"Muitas crianças palestinas estão morrendo e quase nenhuma criança israelense foi morta. Por quê? Porque nós cuidamos das nossas crianças" (Shimon Peres, presidente de Israel, em 6 de janeiro de 2009).


De acordo com os dados divulgados periodicamente pela ONG internacional Save the Children, foi ultrapassada na terça-feira (06/01/2009) a marca de 100 crianças palestinas assassinadas desde o início da última onda de agressões perpetrada por Israel. No mesmo dia, ataques aéreos israelenses destruíram três escolas da ONU na Faixa de Gaza, deixando cerca de 30 mortos. Horas antes, uma bomba caiu sobre uma casa onde cerca de 20 jovens recebiam de dois militantes dos Hamas treinamento de primeiros-socorros para ajudarem parte das milhares de vítimas palestinas. Não houve sobrevivente.


Ocorridos num único dia de combate, em meio aos milhares de episódios estarrecedores vividos em Gaza na última semana, esses eventos mereceram o repúdio internacional e fizeram crescer a pressão sobre o governo israelense para um cessar-fogo imediato. Respaldado pelo sólido apoio político e diplomático dos Estados Unidos, no entanto, os falcões-de-guerra israelenses, até o momento em que escrevo estas linhas, admitiram apenas a abertura de um "corredor humanitário" durante três horas por dia para que comida e medicamentos finalmente cheguem aos palestinos.


Face à impotência do Conselho de Segurança da ONU e ao bloqueio das discussões exercido pelos EUA, a tentativa de costura de uma solução que leve ao fim imediato das hostilidades sobrou para a União Européia. Capitaneados pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, os esforços europeus, no entanto, têm encontrado maior eco junto aos países árabes, Egito à frente, do que propriamente junto a Israel, que, como faz nos últimos 60 anos, mantém postura de arrogância e desprezo em relação à via diplomática multilateral.


Os países árabes, por sua vez, também repetem o velho cenário que se divide entre os regimes aliados dos Estados Unidos, liderados pela Arábia Saudita, e os regimes inimigos declarados ou velados de Israel, como Síria e Jordânia, entre outros. A história ensina que, na hora em que Israel resolve atacar com A maiúsculo, nenhum dos dois lados da elite árabe costuma mover uma palha em favor de palestinos, libaneses ou quem quer que seja.


Qual papel deve assumir o Brasil, postulante a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, diante dessa paralisia? O melhor e mais corajoso caminho a ser seguido é o imediato rompimento de relações diplomáticas com o governo assassino de Israel. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem diante de si a oportunidade de fazer valer todo o capital político acumulado no cenário internacional ao longo dos últimos seis anos e indicar claramente que a construção de um novo patamar de entendimento entre as nações, desejo manifesto de seu governo, não mais tolerará demonstrações unilaterais e desproporcionais de força militar.


É possível romper relações com Israel sem declarar apoio ao Hamas ou abandonar a posição neutra em relação ao conflito palestino-israelense. O que não dá mais é para assistir calado ao extermínio de um povo. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, como bem demonstrou o governo da Venezuela. No mesmo dia em que foi ultrapassada a marca de 100 crianças palestinas mortas, o presidente Hugo Chávez declarou o rompimento das relações diplomáticas entre os dois países e expulsou de Caracas o embaixador de Israel. Para justificar seu ato, Chávez afirmou que "Israel está promovendo um holocausto na Faixa de Gaza".


Seguir o mesmo caminho da Venezuela consolidaria o papel político de liderança entre os países emergente exercido pelo Brasil no cenário diplomático internacional. Significaria também, mesmo que isso traga pouca conseqüência prática e imediata para quem está recebendo bomba na cabeça, um importante gesto de solidariedade do "mundo real" face ao martírio do povo palestino. Lula, se tomar essa atitude corajosa, mais uma vez colocará a política externa de seu governo a serviço da construção de um mundo menos injusto.


A simpatia do presidente brasileiro pela causa palestina não é segredo para ninguém. Em entrevista ao jornal Valor publicada na segunda-feira (05/01/2009), o assessor especial de Política Externa da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, classificou a ofensiva israelense em Gaza como "terrorismo de Estado". Em nota assinada por seu presidente, Ricardo Berzoini, o PT também condenou a ofensiva israelense e rechaçou o argumento de "autodefesa" utilizado por Israel. O rompimento temporário com Israel nas atuais circunstâncias seria, portanto, um caminho natural e coerente para o governo Lula.











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Israel Viola Convenção de Genebra



"Os ataques israelenses ferem a Convenção de Genebra primeiramente porque punem coletivamente os palestinos residentes em Gaza, não fazendo distinção entre alvos civis e combatentes", disse nesta quarta-feira, em São Paulo, Richard Falk, relator especial das Nações Unidas para a situação dos direitos humanos nos territórios ocupados por Israel desde 1967. Segundo Falk, o bloqueio econômico mantido por Israel há 18 meses também está em desacordo com o direito internacional.

Richard Falk

As recentes operações militares de Israel na Faixa de Gaza configuram crimes contra a humanidade. Essa é a avaliação do norte-americano Richard Falk, relator especial das Nações Unidas para a situação dos direitos humanos nos territórios ocupados por Israel desde 1967 na Palestina. Em visita ao Brasil, ele concedeu uma entrevista coletiva nesta quarta-feira (07/01/2009) organizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.

"Os ataques israelenses ferem a 4ª Convenção de Genebra primeiramente porque punem coletivamente os palestinos residentes em Gaza, não fazendo distinção entre alvos civis e combatentes", diz Falk. Até o momento, estima-se que mais de 700 palestinos foram mortos e três mil feridos desde o início da invasão, no dia 27 de dezembro. Cerca de 25% das vítimas palestinas são civis. Os israelenses contabilizam dez mortes, entre as quais estão quatro civis atingidos por foguetes lançados pelo grupo islâmico Hamas e seis militares caídos em combate - quatro deles vítimas de "fogo amigo".

O relator da ONU diz que o bloqueio econômico mantido por Israel há 18 meses também está em desacordo com o direito internacional. "A Convenção de Genebra diz que o país ocupante deve prover à população da zona ocupada condições dignas de sobrevivência", explica Falk. "No entanto, o bloqueio israelense vem impedindo a entrada de alimentos, combustíveis e medicamentos em quantidade suficiente para suprir as necessidades dos habitantes de Gaza".

Falk lembra que Israel bloqueou totalmente as fronteiras da Faixa de Gaza e não permite sequer que os civis palestinos se refugiem em outros países. "Em todo conflito há um enorme número de refugiados. A proibição de Israel não tem precedentes nas guerras urbanas mundiais". O relator da ONU diz ainda que o exército israelense utiliza força desproporcional ao atacar uma sociedade "sem condições de se defender".

O relator acredita que a ONU deveria investir num cessar-fogo imediato entre as partes, na retirada de Israel e no fim do bloqueio contra Gaza, além de proibir o lançamento de foguetes Qassam contra o território israelense - justificativa oficial para a atual operação militar. "A partir dessas bases, as Nações Unidas podem buscar um caminho para definir a autodeterminação do povo palestino".

O Conselho de Segurança da ONU ainda não chegou a nenhuma medida concreta para encerrar os combates em Gaza. Já o Conselho de Direitos Humanos se reunirá de maneira extraordinária na sexta-feira para emitir um pronunciamento sobre a situação da Palestina.

"A grande pergunta que se deve fazer agora é por que a comunidade internacional e a ONU têm feito tão pouco?", pergunta Falk. E ele mesmo responde: "As Nações Unidas só atuam efetivamente por intervenção direta de seus cargos mais importantes, e os EUA têm se oposto à proteção dos palestinos e impedido a ONU de cumprir seus compromissos humanitários.


"Anti-Israel"

Considerado um dos maiores especialistas do mundo em direitos humanos, Richard Falk é professor emérito da Universidade de Princeton (EUA). Foi ele quem cunhou os termos "globalização de cima para baixo" e "globalização de baixo para cima", referindo-se aos diversos movimentos sociais, ONGs e voluntários que tentam criar uma comunidade "além do Estado territorial" para enfrentar as injustiças produzidas pela nova ordem social.

No último dia 14 de dezembro, Falk foi expulso do território israelense no que seria sua primeira missão como relator especial - uma reunião com o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Apesar de estar em visita oficial, ele foi detido por 15 horas antes de ser retirado do país. O governo alega que o diplomata é "anti-Israel".

"Minha expulsão é um claro aviso à ONU de que Israel não quer cooperar com relatores críticos à ocupação, e faz parte de uma política para excluir possíveis testemunhas oculares dos fatos que estão acontecendo em Gaza neste momento", avalia, lembrando que jornalistas estrangeiros e observadores internacionais também foram impedidos de entrar nas zonas de conflito. "Pensei que minha objetividade como relator seria testada com base no relatório que produziria sobre o evento, e não julgada por antecipação".


Atores políticos

Falk avalia que o Hamas não é o maior dos obstáculos para o fim das hostilidades na Palestina. "O maior problema são os políticos israelenses que não querem estabelecer uma paz justa na região". Para ele, classificar os palestinos como "terroristas" é uma fuga da diplomacia e da negociação pacífica, e justifica o uso da força. Ademais, trata-se de uma tática antiga que já foi utilizada para isolar e enfraquecer Yasser Arafat (1929-2004), ex-presidente da ANP.

"Não é útil definir o Hamas como 'grupo terrorista', do mesmo jeito que não é útil dizer que Israel é um 'Estado terrorista', porque ambos são atores políticos. O terrorismo é uma desculpa para usar a força na tentativa de resolver um conflito que deve ser solucionado por ações políticas", diz o relator da ONU.

O governo israelense se utiliza de dois argumentos para justificar os ataques e rechaçar um cessar-fogo. Os pronunciamentos oficiais insistem em que não há crise humanitária em Gaza e sustentam a tese de que Israel está agindo defensivamente contra o lançamento de foguetes. Falk acrescenta que nenhum israelense foi morto por foguetes Qassam disparados pelo Hamas nos últimos 12 meses que antecederam os ataques de 27 de dezembro. Os únicos feridos foram contabilizados após o início das ofensivas.

As eleições legislativas em Israel acontecem no dia 10 de fevereiro. Nelas será escolhido o próximo primeiro-ministro do país. Os principais concorrentes ao cargo hoje ocupado por Ehud Olmert são Ehud Barak - atual ministro da Defesa, filiado ao Partido Trabalhista - e Tzipi Livni, do Kadima, que desempenha o cargo de ministra das Relações Exteriores. Ambos negam que Gaza esteja passando por uma crise humanitária.


Território

Cerca de 45% da população de Gaza é composta por crianças com até 14 anos. Desde o início da ofensiva, mais de 100 delas já morreram. Segundo Paulo Sérgio Pinheiro, pesquisador associado do Núcleo de Estudos da Violência da USP, 1,5 milhão de pessoas vivem numa área de 360 km², o que configura a mais alta densidade demográfica do mundo: mais de quatro mil pessoas por km².

Um dos episódios que causaram mais revolta internacional foi o bombardeio à escola Al Fakhora, administrada pelas Nações Unidas, no campo de refugiados de Jabaliya, ao norte de Gaza. Os ataques foram realizados nesta terça-feira (06/01/2009) e deixaram pelo menos 30 mortos e 55 feridos. A instituição abrigava civis refugiados. No mesmo dia, Israel atentou contra outro colégio mantido pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos na cidade de Gaza. Três jovens morreram.

Sob pressão, Israel concordou em estabelecer um "corredor humanitário" que dará acesso temporário limitado a alguns pontos da região. O intuito é permitir que sejam levados suprimentos vitais para a população palestina, cujo estado de carência foi intensificado depois do fim da trégua de seis meses com o Hamas, que expirou no último dia 19. No entanto, o acordo já havia sido rompido por Israel, que no dia 4 de novembro matou seis palestinos em Gaza. "À revelia do que se pensa sobre o Hamas, ele tem buscado uma trégua duradoura com os judeus desde que Israel retornasse às fronteiras anteriores a 1967, proposta que foi ignorada".
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sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A Causa Palestina é Nossa


Ou assumimos a causa palestina como nossa ou assumimos o papel de integrantes de uma força de ocupação que nega nossos melhores discursos. Não há meio-termo.

Gilson Caroni Filho

O que vinha sendo planejado há meses, como estratégia eleitoral do primeiro-ministro Ehud Olmert, virou, com respaldo da mídia ocidental e seus "especialistas em Oriente Médio", uma compreensível reação aos foguetes lançados por militantes do Hamas contra território israelense. Trata-se de pura falácia, propaganda ideológica barata que trata uma ação de extermínio como se fosse o confronto de forças simétricas.

A ofensiva militar ao território de Gaza obedeceu a um cálculo frio de custos e benefícios. Os mais de 500 mortos até agora, sendo 87 crianças, tiveram seus destinos traçados em outubro de 2008, quando o partido governista, submeteu à apreciação do Parlamento sua dissolução e a proposta de eleições antecipadas.

Além de uma disputa parlamentar acirrada, o ataque à Faixa de Gaza é um recado ao futuro governo estadunidense. Para as lideranças israelenses não há como sobreviver sem um projeto expansionista. A sorte dos dois é indissociável da manutenção da barbárie no Oriente Médio. Sionismo e imperialismo são as duas faces de uma mesma moeda. Obama deve assimilar isso como ensinamento da Torá. Hillary lhe pode servir como excelente guia.

A hegemonia política do fundamentalismo sionista é responsável pelo emprego de métodos de guerra que são comparáveis aos utilizados por outras potências coloniais, ao longo da história, contra a população civil que resistiu à opressão. Transformar o terrorismo de Estado em política aceitável tem sido a tarefa do jornalismo ocidental. Um trabalho tão recorrente quanto a punição coletiva de um povo se mostra aceitável para as "boas consciências" ocidentais.

Mais uma vez o governo israelense, com total apoio dos Estados Unidos, pratica uma aventura bárbara e criminosa, ditada por interesses e conveniências estratégicas. Conta para isso com a cumplicidade covarde das ditaduras e monarquias árabes. As demais potências, como já destacou José Arbex Jr, em artigo para Caros Amigos, "mesmo tendo seus interesses contrariados pela política expansionista da aliança Washington/ Tel Aviv, não têm vontade política nem se sentem com força para impor qualquer limite legal".

Como já tivemos oportunidade de escrever aqui mesmo ("O Holocausto Palestino" - 08/02/2008) desde o massacre no Sul do Líbano, em 82, passando pelo sufocamento de duas intifadas, não é o terrorismo de fanáticos que Israel persegue. Na região conflagrada, o movimento palestino era o mais progressista projeto de resistência, o mais prenhe de valores da modernidade. O mais rico em termos culturais. As pedras dos jovens árabes defenderam da insanidade uma herança cara ao Ocidente. Querer reduzi-los ao Hamas e outros grupos de motivação religiosa é, com apoio logístico da mídia internacional, distorcer a realidade para ocultar contradições mais profundas. Mentir com insistência até que a inverdade assuma ares de realidade inconteste".

Para o historiador Oswaldo Coggiolla "na Faixa de Gaza são visíveis as razões para a resistência dos palestinos. Com uma população de mais de 1 milhão de habitantes, a Faixa de Gaza, chamada de "Soweto de Israel", não é um estado e não foi anexada a Israel. As forças de defesa de Israel controlam toda a fronteira. Se os moradores de Gaza quiserem sair dessa área, precisam obter uma permissão dos israelenses. Muitos palestinos - nascidos a partir de 1967 - nunca saíram da faixa, uma tripa de terra situada entre o deserto de Neguev e o mar Mediterrâneo, que mede 46 km de comprimento e 10 km de largura, aproximadamente".

Em um contexto dessa natureza qual a única forma possível de ação a um povo destituído de qualquer direito? Sem qualquer possibilidade de ser reconduzido a uma unidade territorial que nem de longe lembre a idéia de Estado?

Quando o presidente Shimon Peres rejeita a possibilidade de trégua e diz que o Hamas precisa de "uma lição real", reafirmando que não tem qualquer interesse em reocupar a Faixa de Gaza, vem à memória a famosa fala de Itzak Rabin na Guerra dos Seis Dias, como comandante do Exército: Não temos o objetivo de anexar qualquer terreno palestino, sírio ou egípcio. É o caso de se perguntar qual a lição real a ser extraída? A quem interessava que o conflito israelense-palestino, que tinha um caráter nacional, se transformasse em conflito religioso que atinge todo o mundo mulçumano?

Oslo e Mapa da Estrada foram elaborações frustradas pelo extremismo sionista. Em novembro do ano passado, durante a Conferência de Annapolis (EUA), o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, e o primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, concordaram em realizar um esforço negociador para alcançar um acordo até o final de 2008. Em janeiro de 2009, agentes da ONU informam que a ofensiva terrestre israelense piorou a crise humanitária em Gaza.

Ou assumimos a causa palestina como nossa ou assumimos o papel de integrantes de uma força de ocupação que nega nossos melhores discursos. Não há meio-termo.




quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

12 Regras Jornalísticas Sobre o Oriente Médio


Regras Jornalísticas Sobre o Oriente Médio

(autor desconhecido)


Doze regras de redação da grande mídia internacional quando a notícia é sobre o Oriente Médio:


01. No Oriente Médio, são sempre os árabes que atacam primeiro e sempre Israel que se defende. Esta defesa chama-se "represália".

02. Os árabes, palestinos ou libaneses não têm o direito de matar civis. Isto se chama "terrorismo".

03. Israel tem o direito de matar civis. Isto se chama "legítima defesa".

04. Quando Israel mata civis em massa, as potências ocidentais pedem que seja mais comedida. Isto se chama "reação da comunidade internacional".

05. Os palestinos e os libaneses não têm o direito de capturar soldados de Israel dentro de instalações militares com sentinelas e postos de combate. Isto se chama "seqüestro de pessoas indefesas".

06. Israel tem o direito de seqüestrar a qualquer hora e em qualquer lugar quantos palestinos e libaneses desejar. Atualmente, são mais de 10 mil presos, 300 dos quais são crianças e 1.000 são mulheres. Não é necessária qualquer prova de culpabilidade. Israel tem o direito de manter sequestrados presos indefinidamente, mesmo que sejam autoridades democraticamente eleitas pelos palestinos. Isto se chama "prisão de terroristas".

07. Quando se menciona a palavra "Hezbollah", é obrigatório que a mesma frase contenha a expressão "apoiado e financiado pela Síria e pelo Irã".

08. Quando se menciona "Israel", é proibida qualquer menção à expressão "apoiado e financiado pelos EUA". Isto pode dar a impressão de que o conflito é desigual e que Israel não está em perigo de existência.

09. Quando se referir a Israel, são proibidas as expressões "territórios ocupados", "resoluções da ONU", "violações dos direitos humanos" ou "Convenção de Genebra".

10. Tanto os palestinos quanto os libaneses são sempre "covardes", que se escondem entre a população civil a qual "não os quer". Se eles dormem em suas casas, com suas famílias, a isto se dá o nome de "covardia". Israel tem o direito de aniquilar com bombas e mísseis os bairros onde eles estão dormindo. Isto se chama "ação cirúrgica de alta precisão".

11. Os israelenses falam melhor o inglês, o francês, o espanhol e o português que os árabes. Por isso, eles e seus apoiadores devem ser mais entrevistados e ter mais oportunidades do que os árabes para explicar as presentes 'regras de redação' (de 1 a 10) ao grande público. Isso se chama "neutralidade jornalística".

12. Todas as pessoas que não estão de acordo com as 'regras de redação' acima expostas são "terroristas anti-semitas de alta periculosidade"
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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Lula Critica ONU por Conflitos no Oriente Médio






Recife - A Organização das Nações Unidas (ONU) não tem coragem de tomar a decisão de colocar paz no Oriente Médio. A afirmação foi feita hoje pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Recife, durante cerimônia de inauguração da primeira etapa do Parque Dona Lindu, no bairro de Boa Viagem. Segundo o presidente, que fez um discurso de 45 minutos na capital pernambucana, essa falta de ação da ONU no conflito entre israelenses e palestinos é motivada pelo poder de veto dos Estados Unidos no Conselho de Segurança (CS).

Lula disse que pediu ao ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, para ligar para o presidente da França, Nicolas Sarkozy (que está em férias no Brasil), e convocar uma reunião de emergência. Ele não deu detalhes sobre onde e quando ocorreria esse encontro. "Nós, do Brasil, vamos trabalhar junto a outros países para achar um jeito daquele povo parar de se matar", afirmou.

O presidente destacou que o Brasil convive em paz com árabes e judeus e disse que "violência gera violência". Lula reconheceu que o Hamas é "muito radical", mas comparou o potencial bélico de Israel frente aos palestinos como de uma bomba ante um palito de fósforo. Ele afirmou ainda que o mundo precisa de paz e pediu uma salva de palmas para os presentes em homenagem à paz.





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Presidente Lula







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sábado, 3 de janeiro de 2009

EUA e União Européia são cúmplices do massacre em Gaza


Tariq Ali - The Guardian - Agência Carta Maior - 31/12/2008
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15453



Os palestinos assassinados são trunfo eleitoral, numa disputa cínica entre a direita e a extrema-direita israelenses. Seus aliados em Washington e na União Européia, perfeitamente informados de que Gaza estava para ser atacada, exatamente como no caso do Líbano em 2006, sentaram e esperaram. A análise é de Tariq Ali.




Tariq Ali





O assalto a Gaza, em planejamento há mais de seis meses e executado em momento cuidadosamente selecionado, foi feito, como Neve Gordon observou corretamente, como instrumento de campanha eleitoral, com vistas às eleições do mês que vem e para manter no poder os partidos que estão hoje no governo de Israel. Os palestinos assassinados são trunfo eleitoral, numa disputa cínica entre a direita e a extrema-direita israelenses. Seus aliados em Washington e na União Européia, perfeitamente informados de que Gaza estava para ser atacada, exatamente como no caso do Líbano em 2006, sentaram e esperaram.



Washington, como sempre faz, culpa os palestinos favoráveis ao Hamas, com Obama e Bush cantando pela partitura do sempre mesmo AIPAC (American Israel Public Affairs Committee). Os políticos da União Européia souberam dos planos, assistem aos ataques, ao sítio, ao bloqueio, ao castigo coletivo imposto à população em Gaza, aos assassinatos de civis etc. (sobre isso, ver o impressionante ensaio de Sara Roy, de Harvard, na London Review of Books [em português, "Se Gaza cair...").



Apesar de ver e saberem de tudo isso, foram facilmente convencidos de que alguns rojões de quintal teriam "provocado" a reação de Israel. E puseram-se a 'exigir' o fim da violência dos dois lados. Efeito? Zero.



A ditadura-come-mosca de Mubarak no Egito e os islâmicos preferidos da Otan em Ancara não se deram o trabalho, nem isso, de registrar algum tipo de protesto simbólico; sequer retiraram seus embaixadores de Israel. A China e a Rússia não convocaram reunião do Conselho de Segurança da ONU para discutir a crise. Para discutir. Que fosse.



Resultado da apatia oficial, um dos resultados das mais recentes agressões de Israel será incendiar as paixões nas comunidades muçulmanas em todo o mudo e fazer crescer a influência e o prestígio até das organizações terroristas que, no ocidente, apresentam-se como líderes de uma "guerra contra o terror".



A carnificina em Gaza obriga a discutir questões estratégicas cruciais para os dois lados, todas relacionadas à história recente. Fato que todos têm de reconhecer é que já não existe Autoridade Palestina. Jamais existiu. Os Acordos de Oslo foram completo desastre para os palestinos, criando um conjunto de guetos desconectados, todos sob obcecada vigilância de um cão-de-guarda brutal. A OLP, onde uma vez depositaram-se todas as esperanças dos palestinenses, é hoje pouco mais que mendigo que suplica migalhas do dinheiro da União Européia.



O entusiasmo pela democracia torna-se zero entre os aliados ocidentais, no instante em que, no oriente, os eleitores elejam partidos e candidatos que se oponham as políticas ocidentais. Israel e o ocidente fizeram de tudo para eleger candidatos do grupo Fatah: os palestinenses enfrentaram manobras, ameaças, golpes, tentativas de suborno pela "comunidade internacional" e sua campanha incansável de perseguição aos candidatos do Hamás e outros grupos de oposição. A campanha foi incansável. Os candidatos do Hamas eram rotineiramente perseguidos ou atacados pelos soldados e pelas polícias de Israel, os cartazes eram confiscados e queimados, rios de dinheiro dos EUA e da União Européia enriqueceram a campanha a favor do Fatah, e, nos EUA, deputados e congressistas discursavam, para dizer que, se eleito, o Hamás não poderia governar.



Até a data das eleições foi planejada para alterar o resultado das urnas. Marcadas para o verão de 2005, foram adiadas até Janeiro de 2006, para que Abbas pudesse distribuir vantagens a mancheias porque - nas palavras de um oficial da inteligência egípcia -, "depois, o público apoiará a Autoridade, contra o Hamas".



O desejo popular de promover limpeza geral, depois de dez anos de corrupção, de conversações sem propósito e sem objetivo, sob governos do Fatah, foi mais forte que tudo. O triunfo eleitoral democrático do Hamas foi tratado como sinal do renascimento do fundamentalismo e preocupante derrota nos planos de paz com Israel, por governos e por todos os grandes impérios de mídia em todo o mundo atlântico.



Imediatamente começaram as pressões financeiras e diplomáticas, para forçar o Hamas a adotar as mesmas políticas do partido derrotado nas urnas.



Sem qualquer ligação com o misto de ganância e dependência, com o sonho de enriquecimento rápido dos porta-vozes e políticos servis do Fatah de depois de Arafat, sem o mesmo tipo de subserviência a qualquer idéia de que algum "processo de paz" fosse algum dia possível mediante as políticas do Fatah de depois de Arafat e de Israel, o Hamas construiu na Palestina a alternativa e a lição de seu próprio exemplo.



Sem ter a abundância de meios com que conta o atual Fatah, o Hamas construiu clínicas, escolas, hospitais, ofereceu programas de assistência social para as populações mais pobres. Os líderes e quadros dirigentes do Hamas vivem frugalmente, como vivem todos os pobres na Palestina.



Esse tipo de resposta social e política às reais necessidades da vida no dia a dia explica o amplo apoio popular e eleitoral de que o Hamas goza hoje, não alguma recitação diária do Corão. Não se sabe ainda o quanto a conduta do Hamas na II Intifada aumentou sua credibilidade na Palestina.



Os ataques armados a Israel, como os da Brigada dos Mártires, a Al-Aqsa, do Fatah, são respostas de retaliação à ocupação muito mais mortal do que qualquer ação armada de resistência. Avaliadas na escala dos massacres perpetrados pelo exército de Israel, a reação dos palestinenses é rara e sempre é muito menos violenta.



A assimetria pode ser bem avaliada durante o cessar-fogo (que foi proposta unilateral do Hamas), iniciado em junho de 2003, e mantido durante o verão, apesar dos inúmeros ataques israelenses e das prisões em massa que aumentaram muito durante o cessar-fogo, quando mais de 300 combatentes do Hamás foram 'desaparecidos' ou mortos na Cisjordânia.



Em 19/08/2003, uma célula autoproclamada do Hamas, de Hebron, já denunciada e desautorizada oficialmente pelos dirigentes do Hamas, explodiu um ônibus em Jerusalém Oeste. Como reação, Israel imediatamente assassinou Ismail Abu Shanab, negociador-chefe, pelo Hamas, do cessar-fogo. O Hamas respondeu. Resposta à resposta, a Autoridade Palestina e os Estados árabes suspenderam todo o fluxo de ajuda financeira às iniciativas sociais do Hamas e, em setembro de 2003, a União Européia acedeu a pedido que Telavive fazia-lhe há muito tempo: incluiu o Hamas na sua relação de "organizações terroristas".



O traço que distingue o Hamas em toda a Região, obrigado a lutar uma luta desesperadamente desigual, não são os homens-bomba - recurso desesperado que se vê em muitos outros grupos -, mas uma espécie superior de disciplina, firmemente orientada para atender necessidades vitais de uma população também desesperadamente desamparada. Prova desse tipo de disciplina dedicada é, por exemplo, a competência com que o Hamás conseguiu implantar o cessar-fogo, também entre seus grupos, apesar das provocações de Israel, durante todo o ano passado. Todas as mortes têm de ser condenadas, sobretudo a morte de civis, mas Israel é, de longe, autor de muito maior número de assassinatos na Região, estatística que os euro-norte-americanos ignoram completamente. Na Palestina, nem que quisessem os palestinos matariam na escala em que os israelenses matam.



O exército de Israel é o mais modernamente armado exército de ocupação que há no mundo. E é, sem dúvida, o mais fortemente armado exército de ocupação de toda a história moderna.



"Ninguém pode condenar que uma população se revolte, depois de viver 45 anos sob ocupação militar", disse o General Shlomo Gazit, ex-chefe da inteligência militar de Israel, em 1993.



O verdadeiro problema dos EUA e da União Européia, motivo da oposição obcecada ao Hamas, é que o Hamas recusou-se a aceitar a capitulação implícita nos Acordos de Oslo, e, depois, de Taba a Genebra, tem-se recusado a esquecer as calamidades que EUA e a União Européia têm imposto aos palestinos. Desde Oslo, EUA e a União Européia têm, como prioridade, quebrar a resistência do Hamas. Cortar os financiamentos à Autoridade Palestina é instrumento óbvio, para minar a influência de qualquer iniciativa política local na Região. Outro, é inflar os poderes de Abbas - escolhido a dedo, por Washington, como, também, Karzai, em Cabul -, ao mesmo tempo em que minam a influência do Conselho Legislativo.



Não houve qualquer esforço sério na direção de negociar com as lideranças políticas eleitas na Palestina. Duvido muito que o Hamas se deixasse rapidamente subordinar aos interesses israelenses e ocidentais, mas se assim acontecesse, não seria o primeiro. O próprio Hamas carrega uma pesada hipoteca sobre os ombros, desde a formação: a fraqueza fatal do nacionalismo palestino, que sempre acreditou que só haveria duas vias, ou a completa rejeição de Israel ou a completa aceitação do desmembramento dos retalhos da Palestina, até ser reduzida a 1/5 de seu próprio território. Entre o delírio maximalista da primeira via, ao patético minimalismo da segunda, praticamente não há caminho para fora do abismo, como o demonstrou a história do Fatah.



O teste de vida e morte para o Hamas, não é ser ou não ser 'adaptado' de modo a tornar-se palatável para a opinião pública ocidental, mas, sim, conseguir separar-se do peso devastador de seu passado. Logo depois da vitória eleitoral do Hamas, em Gaza, um palestino perguntou-me, numa entrevista, o que eu faria se estivesse no lugar do Hamas, recém-eleito. "Dissolveria a Autoridade Palestina", respondi. Para acabar com a encenação. Isso feito, seria possível repor a causa nacional palestina sobre bases adequadas para exigir que o território e seus recursos sejam partilhados proporcionalmente entre populações assemelhadas em quantidade - não com 80% para os israelenses e 20% para os palestinenses, uma violência tão grande que, no longo prazo, nenhum povo jamais a aceitará. A única solução aceitável é um único Estado, para israelenses-palestinenses, no qual os crimes do sionismo possam afinal ser reparados. Não há outra possibilidade. Só essa.



Os cidadãos de Israel bem podem meditar sobre essas palavras de Shakespeare (n'O Mercador de Veneza), em que introduzi pequenas mudanças:



"Sou palestino. Palestino não tem olho? Não tem mãos, órgãos, altura, peso, sentidos, afeições, afetos, paixões? Não come a mesma comida, não morre pelas mesmas armas, não padece as mesmas doenças, não se cura pela mesma cura, não se aquece no mesmo verão e não congela no mesmo inverno, como o judeu? Se nos furam, não sangramos? Se nos fazem cócegas, não rimos? Se nos envenenam, não morremos? Se nos fazem mal, não nos podemos defender? Se somos iguais em tudo, não reclamem de sermos iguais também nisso… A vilania que nos ensinaram, nós a aprendemos; seremos vis; menos vis que vocês, sim, porque viemos depois. Aprendemos com vocês, mas a vilania purga-se, no tempo. Mais do que isso, não posso prometer".







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Tariq Ali






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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

A Idade da Mentira





Segundo José Saramago, "George Bush expulsou a verdade do mundo para, em seu lugar, fazer frutificar a idade da mentira". Uma retrospectiva dos anos Bush talvez nos ajude a compreender com mais clareza o que essa era representou para o mundo.


Marcelo da Silva Duarte



George Walker Bush é aquilo que o "american way of life" reconhece como um "winner".

O 43º presidente dos Estados Unidos nasceu em 06 de julho de 1946. Graduado em História em Yale e com MBA pela Harvard Business School, da conceituada Harvard University, primeiro venceu na indústria do petróleo.

Em 1977 criou a Arbusto Energy, uma companhia de exploração de petróleo e gás. Em 1982 mudou o nome da empresa para Bush Exploration Oil & Gas Company, depois da quinta crise internacional do petróleo (1979), e a vendeu em 1984 à Spectrum 7, que faliu em 1985.

Pelo contrato, Bush assumiu como diretor da Spectrum, ainda antes de sua falência. Foi isso que permitiu que, com o resgate dessa empresa, em 1986, pela Harken Energy Corp., Bush assumisse como um de seus diretores.

Em 1991, quando participava do Conselho Diretor dessa empresa, foi acusado de usar informações sigilosas em benefício próprio. Logo depois que vendeu suas ações, a Harken registrou um prejuízo de 23,2 milhões de dólares no trimestre. Seus detratores alegaram que a investigação federal que avaliou sua conduta teria sido influenciada diretamente pelo seu pai, George H. W. Bush, então presidente dos EUA.

Foi eleito duas vezes governador do Texas, em 1994 e 1998. Venceu sua primeira eleição presidencial em 2000, ao derrotar o democrata Al Gore, e foi reeleito em 2004, ao superar o também democrata John Kerry.

Sua primeira vitória ainda hoje causa discussão, bem como a validade dos votos que o elegeram. Superou por apenas 5 votos, no Colégio Eleitoral, o democrata Al Gore, embora o então vice-presidente dos EUA tenha recebido 500 mil votos a mais do que Bush na eleição direta.

Coincidentemente, os votos que decretaram sua vitória foram obtidos na Flórida, estado então governado por seu irmão, Jeb Bush...




"É meu dever libertar pessoas"

Um dos mais impopulares presidentes estadunidenses de todos os tempos começou sua administração, a bem da verdade, sob fogo cerrado.

Bush, porém, soube tirar proveito disso. Sua postura diante dos ataques de 11 de setembro de 2001 elevaram seus índices de aprovação a mais de 90%, uma marca histórica.

Porém, ao recorrer aos pilares da cultura estadunidense - tradição, família, propriedade, liberdade e o velho e bom self-made -, e discursando em nome de um fundamentalismo que, na prática, renegava tudo o que uma religião poderia ter de bom, mal sabia Bush que sua empáfia mergulharia os EUA num dos maiores atoleiros morais de sua história recente.

Na "Sessão Conjunta do Congresso e do Povo Americano", logo após os atentados do onze de setembro, a palavra "cruzada" pôde ser ouvida em seu discurso.

Fez-se um lúgubre silêncio no mundo. Ninguém imaginava que uma liderança internacional, ao menos em sã consciência, assumisse o discurso do "choque de civilizações".

Porém, o estrago estava feito.

Islâmicos de todo o mundo apontaram o caráter de "Guerra Santa" presente no discurso estadunidense. Feridas medievais, cicatrizadas após séculos de esforços em nome da convivência pacífica entre ocidente e oriente, irromperam por conta de uma retórica maniqueísta, que via na reação estadunidense a realização plena da eterna luta do bem contra o mal.

A espada da justiça divina havia sido depositada em suas mãos. Sua missão era a realização da vontade de Deus. "É meu dever libertar pessoas", teria dito George Bush.

Décadas de secularismo foram imediatamente destroçadas, enquanto quase se ouviam, ao longe, as trombetas dos sete anjos, anunciando o Juízo Final.




A "Guerra contra o Terrorismo"

Sua "Guerra contra o Terrorismo" e contra o "Eixo do Mal" começou no Afeganistão, onde supostamente operariam Osama Bin Laden e sua Al-Qaeda, apontados como autores dos atentados do onze de setembro.

O governo talibã foi deposto e o presidente exilado, Burhanuddin Rabbani, reempossado. Contando com a ajuda de forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), questionada por lideranças internacionais, os EUA jamais controlaram o país asiático.

Chefiados por um governo especial interino, que artificialmente tenta unificar etnias que divergem do que comer a maneira de se vestir, os afegãos vivem o caos.

Milhares de vítimas colaterais depois, os EUA disfarçam seu fracasso concentrando suas forças ao redor da capital afegã, Cabul, enquanto recente relatório do Conselho Internacional sobre Segurança e Desenvolvimento afirma que os Talibãs já controlam 72% do Afeganistão e três das quatro principais vias de acesso à capital afegã. Em numerosas vilas e cidades ao sul, afirma o relatório, o Talibã continua sendo o único poder.

Ainda assim, os EUA planejam enviar até 20 mil homens para o Afeganistão, no início do ano que vem. Talvez para ajudarem nas plantações de papoula, de onde se extrai o ópio, umas das principais fontes de renda dos aliados estadunidenses no país.

Em fevereiro de 2003, convencido de que o governo iraquiano tinha ligações com a Al-Qaeda desde o atentado do onze de setembro, e munido de um relatório de inteligência que apontava a existência de armas de destruição em massa no Iraque, George Bush pediu ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) autorização para o uso preventivo da força, que lhe foi negada. Bush, depois disso, recusou-se a propor uma segunda resolução à ONU.

"Pela paz do mundo e pelo bem e liberdade do povo iraquiano, dou a ordem para executar a Operação Liberdade Iraquiana. Que Deus abençoe as tropas", teria dito Bush ao jornalista Bob Woodward.

No mês seguinte, mais uma vez os céus de Bagdá escureceram.

George Bush rezou logo após a decisão de desencadear a operação Liberdade Iraquiana. "(...) para ser o mais possível um bom mensageiro da vontade de Deus", teria dito.

Nove meses depois, Saddam Hussein seria preso. Três anos depois, em dezembro de 2006, seria executado por enforcamento, após condenação por genocídio, por um tribunal iraquiano comandado politicamente pelos EUA.

Ainda em 2003, o vice-secretário da Defesa dos EUA havia afirmado que "nadar em petróleo" teria sido a principal razão para a invasão do Iraque. "No caso do Iraque, economicamente falando, nós simplesmente não tínhamos escolha. O país [Iraque] nada em um mar de petróleo", teria dito Paul Wolfowitz.

Em outra polêmica declaração, o mesmo Wolfowitz afirmou que foi somente "por razões que estão muito ligadas à burocracia do governo dos EUA", que George Bush e seus falcões estabeleceram "como ponto principal algo com que todos poderiam concordar: armas de destruição em massa".
Armas de destruição em massa que, também, nunca existiram. "Muitas agências de inteligência acreditaram que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa, e é verdade que essa informação se provou errada", afirmou Bush, ainda em 2005.

O presidente, na verdade, eufemizava o fato dos serviços de inteligência dos EUA terem produzido relatórios falsos e os apresentado às Nações Unidas, a fim de legitimar o achaque ao petróleo iraquiano.

Tudo isso ocorreu antes de Saddan ser condenado e executado.

Recentemente, Bush defendeu vigorosamente seus oito anos de intervenções no Oriente Médio, que, segundo suas palavras, "tornaram a região mais livre que em 2001".

De 600 mil a um milhão de iraquianos morreram e continuam morrendo desde a invasão estadunidense, em 2003. Civis foram assassinados covardemente por forças mercenárias contratadas para fazer a segurança dos estadunidenses que lá trabalham e mulheres foram estupradas. Embora os conflitos internos entre sunitas e xiitas sejam agora menos freqüentes, jamais recrudesceram tanto quanto durante os anos de ocupação. O Líbano, recentemente, quase foi varrido por Israel, que continua fazendo do território palestino campo de testes para armamentos experimentais, com o apoio dos EUA.




"Yes, we can"

Tão logo trombeteou sua Guerra Santa, George Bush obteve, do Congresso estadunidense, a autorização para manter sob custódia, por tempo intederminado e sem acusação legal, suspeitos de "terrorismo internacional".

O "Patriot Act" também autorizava o governo a espionar cidadãos estadunidenses, mas foram os estrangeiros que pagaram o pato.

Muitos dos 250 prisioneiros de Guantánamo, prisão estadunidense em território cubano, não foram formalmente indiciados. Oriundos de países como o Afeganistão e Arábia Saudita, aguardam a hora de seus julgamentos pelos tribunais militares especiais de George Bush, criados a fim de julgar suspeitos de terrorismo internacional ligados a organizações como a Al-Qaeda. Eles são chamados de "combatentes inimigos".

Residentes nos Estados Unidos que não são seus cidadãos também estão sujeitos aos tribunais militares especiais. Esse é o caso de Ali al-Marri, nascido no Catar, que está em confinamento solitário desde 2003 em um navio da marinha dos EUA, na Carolina do Sul. A Suprema Corte dos EUA vai se manifestar sobre seu caso.

Assim como Guantánamo, Abu-Ghraib também é uma prisão estadunidense onde permanecem detidos prisioneiros sem acusação legal. Ao menos extra-oficialmente, a grande vantagem de um prisioneiro de Guantánamo, em relação ao seu colega detido em Abu-Ghraib, sempre foi a de que aquele primeiro somente apanhava, enquanto seu colega detido na prisão iraquiana poderia, além de ser espancado, ser torturado ou ridicularizado pelos soldados dos EUA.

Isso, porém, até George Bush democratizar a tortura, ao vetar a legislação apresentada pelo Congresso que proibia a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) de utilizar métodos de interrogatório pouco ortodoxos, como a simulação de afogamento. Desde então, os prisioneiros de Guantánamo passaram a ser oficialmente interrogados pela CIA de acordo com os legalizados métodos de investigação.

Depois da capitulação do Iraque, George Bush devotou especial atenção para o Irã, um dos três pilares do chamado "eixo do mal". O Irã, segundo a Casa Branca, estaria produzindo armas nucleares para atacar Israel e o Ocidente e colaboraria com a resistência iraquiana.

Em 2006, o secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, em uma conferência na Espanha, afirmou que a Casa Branca teria provas sobre o envolvimento do Irã com "rebeldes" iraquianos, eufemismo estadunidense para designar todo cidadão que resiste à ocupação de seu país por uma força estrangeira.

O Irã, segundo Gates, forneceria armas e tecnologia para os referidos rebeldes. A resistência iraquiana também seria patrocinada pelo Hezbollah, por sua vez subvencionado pelos governos do Irã e da Síria.

Essas acusações jamais foram provadas.

Quando o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, condicionou a suspensão de seu programa de enriquecimento de urânio à suspensão dos programas mantidos por países ocidentais, ouviu de Tony Snow, porta-voz do fundamentalismo cristão da Casa Branca, a seguinte afirmação: "Você acha que essa oferta é séria?".

Snow tinha muitos motivos para troçar da proposta de Ahmadinejad. O primeiro deles é que o maior aliado dos EUA no Oriente Médio, o Estado de Israel, jamais reconheceu publicamente possuir um arsenal nuclear militar.

Israel negou-se terminantemente a assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (proposto em 1970 e ratificado em 2002 por 188 países, inclusive o Irã), o que o desobriga de assumir, perante a comunidade internacional, o status de potência nuclear, condição que o exime de inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica.

Os próprios serviços de inteligência estadunidenses acabaram desmentido as acusações da Casa Branca de que o Irã produzia armas nucleares.

"Ainda acho que o Irã é perigoso", respondeu Bush.

Sua política de relações internacionais, depois de estreitar laços com o Afeganistão, com o Iraque e com o Irã, voltou-se para o leste europeu, o que criou mais um foco de tensão internacional.

O anúncio de que Washington teria planos de instalar um sistema antimísseis na Polônia e na República Tcheca gerou imediata reação russa. O chefe do Estado Maior da Rússia, general Yuri Baluyevsky, afirmou à imprensa que "O disparo de um foguete antimíssil da Polônia poderia ser considerado pelo sistema automático da Rússia como o lançamento de um míssil balístico, o que poderia provocar um ataque como resposta".

O projeto de escudo antimísseis dos EUA no leste europeu prevê a instalação de bases de radares na República Checa e um sistema de interceptação de mísseis na Polônia. Os acordos com os dois países europeus foram assinados, respectivamente, em julho e agosto últimos.

A Rússia argumentou que a instalação de um sistema antimísseis americano no Leste Europeu afeta o equilíbrio militar na Europa e estimula uma nova corrida armamentista. Washington rebateu dizendo que o objetivo do sistema será proteger os Estados Unidos e seus aliados na Europa de ataques de países considerados perigosos, como o Irã.

Segundo os próprios serviços de inteligência da Casa Branca, é bom lembrar, o Irã não produz armas nucleares.

Seu legado ambiental também não é dos mais honrosos. Bush recusou-se a ratificar o Protocolo de Kyoto, assinado por seu antecessor, o democrata Bill Clinton. A esse respeito chegou a declarar que o acordo seria "desleal e inútil", pois deixaria de fora 80% do mundo, além de causar "sérios prejuízos à economia americana". A administração Bush também questiona a teoria de que os poluentes emitidos pelo homem causem elevação da temperatura da Terra.




"Hay que endurecer..."

As relações da Casa Branca com a América do Sul não foram nada ternas, na gestão Bush.

Porém, o outrora playground político estadunidense vem diminuindo, não obstante sua crescente presença militar no continente.

A CIA montou em Assunción, durante o governo (1954-1989) do ditador paraguaio Alfredo Stroessner, uma estação de espionagem eletrônica e de rastreamento de sinais de rádio. Emissões de rádio de toda a região sul da América eram monitoradas e utilizadas pelos aparelhos repressores dos diversos ditadores de plantão de então.

Anibal Miranda, especialista em geopolítica, ainda em 2001 assegurava à imprensa "que a estação ainda funciona, no prédio da embaixada americana em Assunção".

Foi provavelmente graças a esse monitoramento que os EUA recentemente divulgaram relatório demonstrando "preocupação" com o terrorismo na Tríplice Fronteira, confluência geográfica entre Argentina, Brasil e Paraguai. De acordo com a Casa Branca, células terroristas de grupos do Oriente Médio, como o Hezbollah e o Hamas, estariam operando na região, arrecadando doações entre a comunidade muçulmana local.

O exército paraguaio executa ações conjuntas com o exército estadunidense. Em Assunción, militares dos EUA estão presentes no Centro de Instrução Militar de Operações Especiais. Em Mariscal Estigarribia há uma pista de pouso para qualquer tipo de aeronave, que serve de apoio a operações estadunidenses na região.

Segundo Maria Luisa Mendonça, coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, a estratégia estadunidense nessa região tem combinado "campanhas de propaganda sobre a suposta 'ameça terrorista', com a presença de militares estadunidenses, favorecida pelo acordo militar bilateral dos Estados Unidos com o Paraguai".

Já a estratégia militar estadunidense em geral, por sua vez, ainda segundo Mendonça, "inclui implementação de bases militares, treinamentos e presença de tropas em território estrangeiro, investimentos em tecnologias de monitoramento, espionagem e projetos de infra-estrutura. Esta estratégia está baseada em diversos pilares, desde a intervenção direta até campanhas de propaganda e difamação, passando por processos das chamadas 'guerras de baixa intensidade', que promovem a opressão e estimulam a violência contra populações de baixa renda, urbanas e rurais".

O Comando de Operações Especiais (Socom, em inglês), ainda em 2006, expandiu suas atividades para cerca de 20 países do Oriente Médio, da África e da América Latina. Desde 2003, já na administração Bush, o orçamento desse comando aumentou 60%.

Segundo o The Washington Post, entre suas missões está o recolhimento de informações para o planejamento de eventuais ações militares em países onde não há guerra ou conflito direto.

Talvez tenha sido graças a tais informações, e em nome da estratégia de estímulo a conflitos locais, que Phillip Goldberg, embaixador dos EUA na Bolívia, reuniu-se com líderes da oposição boliviana ao presidente Evo Morales, antes dos recentes conflitos racistas no país andino.

Goldberg foi expulso da Bolívia e o presidente Lula declarou apoio a Evo Morales, lembrando que a diplomacia dos EUA têm um longo histórico de ingerência nos assuntos sul-americanos.

Recentemente, Evo Morales qualificou como "vingança política" a decisão estadunidense de excluir seu país de benefícios alfandegários, unilateralmente condicionados à "luta antidrogas". Bush suspendeu isenções fiscais de que se beneficiavam produtos bolivianos no mercado dos EUA.

Integrantes do governo dos EUA também mantiveram freqüentes contatos com diversos líderes golpistas nas semanas anteriores ao golpe de estado contra Hugo Chávez, em 2002. Meses após o golpe, que foi condenado oficialmente pela Organização dos Estados Americanos (OEA), o governo venezuelano revelou a presença de navios e aviões militares americanos em seu território, durante os dias da manobra oposicionista.

George Bush também tentou "aprimorar" o "Plano Colômbia", criado pelo governo dos Estados Unidos em 2000, ainda na administração democrata.

O plano, que em tese combateria o narcotráfico na região, seria expandido a ponto de permitir a atuação dos militares estadunidenses no país sul-americano contra "ameaças à segurança nacional", tanto dos EUA quanto da Colômbia. Incluída em um apêndice do orçamento nacional que Bush apresentou ao Congresso no ano passado, essa autorização permitiria aos EUA não se restringir, na região, apenas ao combate ao narcotráfico e às guerrilhas.

As guerrilhas, segundo classificação do Departamento de Estado dos EUA, seriam as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs), o Exército de Libertação Nacional (ELN) e a Autodefesas Unidas Colombianas (AUC).

Só que as AUC financiavam suas ações contra a guerrilha de esquerda com o tráfico de cocaína, tudo sob a vista grossa do presidente Álvaro Uribe, do exército colombiano e da agência estadunidense antidrogas (DEA).

Talvez tenha sido por isso que, no recente episódio de violação da soberania do Equador pela Colômbia, os EUA tenham dado apoio incondicional a Álvaro Uribe. "Democratas e republicanos devem trabalhar para estar ao lado de nosso aliado e lutar contra o narcotráfico", disse Bush na oportunidade. Tratava-se de "uma questão de segurança nacional", complementou à época.

A resolução da 25ª Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizada em março último, em Washington, repudiou, em seu artigo 4, "a incursão de forças militares e efetivos da polícia da Colômbia em território do Equador, na Província de Sucumbíos, em 1° de março de 2008, feita sem conhecimento nem consentimento prévio do Governo do Equador, por considerar que constitui uma clara violação dos artigos 19 e 21 da Carta da OEA".

Os EUA, evidentemente, fizeram restrições a tal artigo, argumentando que "a Colômbia exerceu o seu direito de 'legítima defesa', durante o ataque voltado contra as Farc".

A diplomacia brasileira, na oportunidade, defendeu a inegociabilidade do Artigo 21 da Carta da OEA, que trata da inviolabilidade territorial de seus estados-membros, contra a peculiar noção estadunidense de "soberania relativa", defendida dias antes por Condoleezza Rice. Segundo a lógica de Rice, o combate ao terrorismo não pode respeitar fronteiras, o que implica que, nesses casos, a noção tradicional de soberania seja substituída pela de "soberania relativa".

Um dos últimos movimentos da estratégia militar estadunidense para o continente foi a reativação de sua 4ª Frota Naval, responsável pela área marítima do Caribe e da América do Sul.

Uma das preocupações brasileiras com a reativação da 4ª Frota é que os EUA assinaram, mas não ratificaram, a Convenção de Montego Bay, da qual o Brasil é signatário. Segundo Montego Bay, o Brasil tem mar territorial de 12 milhas náuticas e Zona Econômica Exclusiva (ZEE) de 188 milhas, extensível até trezentas caso haja prolongamento da plataforma continental no fundo do oceano, fato que pode ser verificado tecnicamente.

Boa parte das novas reservas de petróleo localizadas pela Petrobrás se localizam na ZEE, na chamada camada pré-sal.

Paranóia? Na verdade, recentemente os EUA questionaram, perante a Comissão de Levantamento da Plataforma Continental da ONU (LEPLAC) "os valores apresentados pelo Brasil no processo de levantamento de sua plataforma continental", segundo o contra-almirante José Eduardo Borges de Souza, secretário-executivo da Comissão Interministerial para Recursos do Mar (Secirm).

De resto, desde o princípio da era Bush, a Casa Branca jamais aceitou negociar seus gigantescos subsídios à agricultura estadunidense e seu protecionismo a produtos como o aço, quando discutiu a implementação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Medidas compensatórias e acesso ao mercado estadunidense jamais fizeram parte da agenda de Bush para a ALCA, marcada por medidas unilaterais e pela exclusão de temas que não interessam a sua economia.

Mas que interessam, e muito, principalmente aos países do Mercosul.

Em função dessa resistência, os EUA passaram a celebrar tratados bilaterais de comércio, sobretudo com os países cujas economias são menos estruturadas, o que lhe confere maior poder de barganha sobre o conjunto do continente.

A reação latina veio na forma da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).




"No, we can't anymore"

Em matéria de políticas internas, suas campanhas fundamentalistas para a abstinência sexual de adolescentes e jovens solteiros foram tão condenadas por setores da sociedade estadunidense quanto a proibição de pesquisas científicas sobre células-tronco.

A lei federal "No child left behind" ("Nenhuma Criança Deixada para Trás"), de 2001, foi duramente criticada. Entre as acusações de especialistas está a de que promoveu a privatização de parte do serviço básico de educação pública.

Acusação que também pesou sobre as reformas promovidas nos serviços sociais e de saúde. A privatização maciça desses setores foi feita, sobretudo, em benefício de organizações religiosas. As mesmas que exigiram limitações legais ao direito ao aborto e o cancelamento de financiamentos a associações internacionais, como o Fundo das Populações das Nações Unidas, vinculado a ONU. Responsável por questões populacionais, a entidade foi acusada por setores religiosos fundamentalistas de promover, indiscriminadamente, o aborto e a esterilização forçada entre mulheres da China.

Segundo dados do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, entre 2001 e 2007 aumentaram em 25% os casos em que autoridades encarregadas da aplicação da lei violaram direitos civis das vítimas que deveriam proteger, um aumento de 25% em relação aos sete anos anteriores. A maioria dos acusados, contudo, sequer foi processada.

A taxa oficial de pobreza do país, em 2006, era de 12,3%. 7,7 milhões de famílias viviam em condições de pobreza, bem longe do sonho americano. Em novembro do ano passado, o Departamento de Agricultura apresentou relatório admitindo que, ainda em 2006, 35,52 milhões de estadunidenses, incluídas aí 12,63 milhões de crianças, haviam passado fome.

Enquanto isso, o orçamento estadunidense deste ano, de US$ 2,7 trilhões, previa 419 bilhões em despesas militares, além de outros 235 bilhões exclusivos para manter a ocupação ilegal do Afeganistão e do Iraque. Os recursos previstos para o Pentágono, este ano, representaram um aumento de 62% em relação a 2001, quando George Bush assumiu a Casa Branca. 47 dias de ocupação estadunidense no Iraque e no Afeganistão equivalem ao orçamento anual das forças armadas brasileiras.

O atual déficit recorde dos EUA, de US$ 427 bilhões, é uma conseqüência das ocupações no Iraque e no Afeganistão, do aumento das despesas com segurança nacional, depois do onze de setembro, e da recessão de 2001, que eliminaram o superávit do orçamento herdado por Bush quando assumiu a Casa Branca pela primeira vez.

Alguns analistas também afirmam que seus cortes gigantescos de impostos, entre eles a "Tax Relief for America", de 2001, também são responsáveis pelo atual déficit histórico. Os principais objetivos desses cortes, a recuperação da economia e a criação de empregos, não foram atingidos.

Ainda na economia, sua gestão foi marcada por duas crises, a recessão de 2001/02 e o recente colapso de Wall Street.

A recessão do começo deste século teve sua origem, segundo afirmou o economista Walden Bello nessa mesma Carta Maior, na bolha tecnológica do final dos 90, que resultou na perda de ativos no valor de 7 bilhões de dólares em função do desmoronamento dos preços das ações das empresas do mundo da Internet, que haviam disparado de forma artificial.

Foi então que, em junho de 2003, já na administração Bush, o presidente do Banco Central dos EUA, Alan Greenspan, tratando de prevenir uma recessão duradoura, rebaixou as taxas de juros 1%, nível sem precedentes em 45 anos. "Com isso, o que conseguiu foi estimular a formação de outra bolha: a bolha imobiliária", afirmou Bello, responsável pela maior quebra da economia estadunidense desde a crise de 29.

Que vem arrastando, consigo, boa parte da economia mundial.

Segundo José Saramago, "George Bush expulsou a verdade do mundo para, em seu lugar, fazer frutificar a idade da mentira".

Informações recentes dão conta que, cada vez mais isolado, sequer seus amigos o visitam na Casa Branca, e nem mesmo seus secretários mais próximos têm comparecido aos seus antes concorridos encontros.

Na contabilidade final da história, o homem que um dia pensou falar com Deus e agir em seu nome não passa de um grande perdedor.



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Bush, o grande perdedor.













 






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