Não precisaremos mais de advogados
Solange Azevedo / Richard Susskind - Revista Época nº 507 de 04/02/2008
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81425-9556-507,00.html
Para o professor de Direito, os escritórios de advocacia perderão espaço para a tecnologia.
Quando o escocês Richard Susskind, de 46 anos, publicou O Futuro do Direito, há mais de uma década, o meio jurídico europeu reagiu com descrença. O livro mostra como e por que a tecnologia da informação mudará radicalmente a prática do Direito e logo se tornou um best-seller. Em junho deste ano, o autor lançará a continuação da obra. Mesmo antes de chegar ao mercado, O Fim dos Advogados? já causa polêmica. Para o autor, os advogados podem estar com os dias, ou pelo menos com os anos, contados. Susskind deu a seguinte entrevista a Época.
Revista Época - Os advogados estão ameaçados de extinção?
Richard Susskind - Dei o primeiro capítulo de O Fim dos Advogados? para 30 pessoas lerem. Alguns advogados e outros não. Nada menos que 27 deles responderam "sim" à pergunta feita no título do livro. No futuro, a maioria dos advogados terá de se esforçar para sobreviver. Mas nem todos serão extintos. Meu papel ao escrever um livro é provocar as pessoas e encorajá-las ao debate. E não deixar os advogados felizes. Meu interesse maior é que o acesso à Justiça e aos serviços jurídicos cresça.
RE - Em quanto tempo a profissão estará ameaçada?
Susskind - Em cem anos, a sociedade e a economia serão transformadas radicalmente. Como já vêm sendo. Seremos tão afetados e modificados pela tecnologia que nenhuma das regras atuais serão válidas. Em dez anos, o mundo do Direito já estará em transição. E muitos advogados já estarão ameaçados. É por isso que eles precisam se modernizar.
RE - O desafio, então, deve ser a modernização da profissão?
Susskind - Sim. O mercado jurídico será guiado por duas forças. A primeira irá em direção ao que chamo de "commoditização" (o fornecimento cada vez mais barato de serviços padronizados). E a segunda força será a da tecnologia.
RE - Como os advogados podem se adaptar?
Susskind - Para entender essas mudanças e adaptar-se a elas, é preciso dar um passo atrás e pensar nas necessidades dos clientes. Trabalho com tecnologia legal há 25 anos e tenho feito muitas pesquisas sobre isso. Os departamentos jurídicos de grandes empresas vivem sob intensa pressão. Seus quadros de pessoal são reduzidos, e eles têm cada vez menos dinheiro para gastar com advogados externos. Ao mesmo tempo, têm muito mais trabalho que antes e precisam cada vez mais de auxílio legal. A solução desse impasse está relacionada às duas forças que falei antes, a commoditização e a tecnologia.
RE - Como assim?
Susskind - É preciso criar estratégias para aumentar a eficiência e a colaboração. Muito do trabalho feito no meio jurídico é executado com ineficiência. Há muitas tarefas rotineiras que poderiam ser feitas de maneira diferente. Vislumbro todas as possibilidades, inclusive a terceirização. Isso baratearia os custos, e a satisfação dos clientes seria a mesma. Cada vez mais os clientes demandarão alternativas mais eficientes. Em meu novo livro, digo que o trabalho legal vai ser dividido em algumas vertentes. O método tradicional, em que o advogado lida com cada desafio oferecendo um serviço altamente customizado, é um luxo que muita gente já não tem condições de pagar. E isso não acontece só com as empresas. Cidadãos comuns, tanto na Inglaterra como em muitos outros países do mundo, não têm acesso à Justiça porque os advogados não costumam cobrar preços razoáveis.
Advogados devem ajudar cidadãos e empresas a entender e aplicar a lei.
O Direito não existe para garantir a subsistência dos advogados.
RE - A pressão virá do mercado?
Susskind - Exatamente. Advogados que não recorrerem a soluções mais criativas e eficientes, como a terceirização, se tornarão muito mais caros. E podem ser extintos devido à competição. Outro ponto é o que chamo de estratégia de colaboração. Um cliente pode dividir custos com outros que precisam dos mesmos tipos de serviços jurídicos. Isso se aplica às maiores empresas do mundo e também aos cidadãos individualmente. É nesse ponto que relaciono o Direito à web 2.0 (tecnologias que permitem a construção colaborativa de trabalhos pela internet). A internet encoraja a comunicação e a colaboração. No futuro, teremos comunidades de clientes dividindo os custos de serviços jurídicos similares. Também haverá na rede roteiros gratuitos sobre as leis. Esses roteiros devem ser construídos da mesma maneira como foi a Wikipédia (a maior enciclopédia on-line). Se refletirmos sobre o desenvolvimento da internet, veremos que os usuários já contribuem em blogs, wikis e redes de relacionamento. A maneira como as pessoas se comunicam já mudou e continua em modificação. Isso também afetará clientes e advogados. A conseqüência será a difusão dos conhecimentos jurídicos. Advogados que não quiserem dividir conhecimento serão postos de lado.
RE - O impacto da tecnologia nos países em desenvolvimento será o mesmo que nos desenvolvidos?
Susskind - Se pensarmos em países pobres, o impacto será menor que em sociedades avançadas. Mas o impacto da tecnologia em países como o Brasil será grande, sim. Em muitos países em desenvolvimento, o acesso à tecnologia está aumentando e continuará crescendo nos próximos anos. Isso pode aumentar também o acesso à Justiça. Na Inglaterra, apenas as pessoas muito ricas, que podem pagar advogados particulares, ou as muito pobres, que conseguem assistência jurídica do Estado, conseguem recorrer à Justiça. Embora hoje os ingleses tenham muito mais acesso à internet que populações de países menos avançados, eles também têm problemas de acesso à Justiça.
RE - Os advogados devem aprender com o mundo corporativo?
Susskind - Devem, sim. A indústria petrolífera olha o mercado 50 anos à frente. Claro que esse espaço de tempo é muito distante para o mundo jurídico. Assim como, nos últimos 20 anos, a tecnologia provocou a substituição de grandes empresas por companhias mais ágeis, ocorrerá o mesmo com os advogados. Os escritórios de advocacia não podem achar que não têm competidores. Cada vez mais haverá publicações jurídicas, websites abertos. Advogados têm de pensar enos em si e mais nas necessidades dos clientes.
RE - No Brasil, os advogados costumam se dizer necessários para preservar os direitos da população. O senhor concorda com isso?
Susskind - Respeito esse ponto de vista. Mas os advogados sempre encontrarão razões para justificar por que são necessários. Há outras maneiras de preservar os direitos da população. O Direito não existe para garantir um meio de subsistência aos advogados. A função dos advogados deve ser ajudar cidadãos e empresas a entender e aplicar a lei. Mas, se encontrarmos maneiras diferentes de fazer isso, não precisaremos de advogados por muito tempo.
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O cidadão deve ter o direito de recorrer ou pleitear junto a justiça, sem que tenha de recorrer aos serviços de um advogado, que é o que onera sensivelmente as ações. Drauzio Milagres.
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