Em Busca do Resultado Ético
CanalRH em Revista nº 63 - abril de 2008 - Leandro Fernandes
http://www.canalrh.com.br/revista/
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Resultados financeiros já não bastam. É preciso confiança. Empresas tentam, então, aprimorar metas de conduta entre os executivos, independentemente das regras de mercado ou da concorrência.
Houve um tempo em que a sociedade acreditava ter mais coerência em suas relações. Há 50 anos, quando o assunto eram valores, o pai dizia a mesma coisa que o padre pregava na igreja, que era o mesmo que o professor explicava em sala de aula, e era o mesmo que o juiz aplicava. E os meios de comunicação se alimentavam desses mesmos discursos. "Hoje isso mudou de figura. Um pai diz algo para o filho, mas quando a criança liga a televisão vê algo totalmente diferente", diz Tjerk Guus Franken, consultor de desenvolvimento organizacional da Change Consultoria e membro do Conselho Administrativo da ABRH Nacional.
Ou seja, vivemos num mundo cercado de incoerências, onde fica cada vez mais improvável encontrar referências universais, importantes para a formação dos valores de um cidadão. Sem elas, fica difícil para um individuo entender padrões éticos e incorporá-los em sua conduta diária. "Nesse sentido, as empresas têm a grande responsabilidade de revitalizar e perpetuar os valores", afirma a coordenadora do Centro de Estudos do Futuro da PUC-SP, Rosa Alegria. "Elas podem e devem servir como fonte dessas referências".
Mas para isso elas precisam sair da era do 'vale tudo' e deixar de fazer concessões de valores, defende Franken. Na última década, a sociedade foi bombardeada com escândalos corporativos envolvendo grandes empresas que para obter melhores resultados maquiavam números, fraudavam documentos, falsificavam balanços financeiros, sonegavam impostos, entre outras práticas antiéticas. O mais recente deles envolveu 17 companhias de papel e celulose do Japão, entre elas as líderes de mercado Oji Paper e a Nippon Paper, que admitiram falsificar dados sobre a quantidade de papel não reciclado em seus produtos sustentáveis. As companhias usavam menos material reciclado do que as normas estabelecidas pelo setor, o que configura a maquiagem de produtos.
"A concorrência e a pressão desmedida por resultados, principalmente financeiros, têm levado as empresas a esse vale-tudo", avalia Franken. "Nos EUA isso é muito acentuado. O executivo, para não perder seu bônus, acaba extrapolando alguns limites". Para Franken, isso é resultado de relações promíscuas entre o conselho e os acionistas, o conselho e os executivos, os executivos e os fornecedores, parceiros, etc. "Existem acordos tácitos entre esses agentes. Acordos que aceitam o uso de algumas dessas artimanhas em prol de bons resultados", diz.
O consultor defende a dosagem dessa pressão e o foco no 'como' atingir os resultados. "A empresa não pode querer apenas resultados em números. Ela precisa buscar o resultado ético. Quando há relaxamento desses padrões, é sinal claro de que a organização está entrando em decadência".
Antiética justificada
Segundo Franken, há empresas que dizem fazer apenas as concessões que o mercado aceita. "Quer dizer, cria-se um discurso para justificar a falta de ética dentro de casa colocando a culpa nas regras do mercado ou na concorrência. O risco implícito, nessa forma de agir, é fazer concessões cada vez maiores".
Isso se dá, na visão de Franken, devido à ausência de uma definição clara por parte das empresas do que é um comportamento ético. "Falo de códigos de conduta, que traduzam a ética em ações. Por exemplo, pode-se estabelecer que não é permitido receber de um fornecedor, ou concorrente a fornecedor um presente cujo valor esteja acima de R$ 100. Ou pode-se estabelecer que não é permitido receber nada. Pode-se ainda definir não ser permitido gritar com o subordinado, fazer piadas com ele na frente dos outros, etc. Esses códigos servem também para a liderança e para o conselho da empresa", orienta.
É o que faz a Suzano Papel e Celulose. Segundo a diretora de Recursos Humanos, Denise Casagrande, foi desenvolvido um código de conduta baseado no código de ética da companhia. O objetivo é esclarecer as dúvidas dos funcionários em relação a uma decisão ou postura a serem adotadas diante de algumas situações. "Para nós, o 'estado da arte' seria o funcionário procurar o ouvidor sempre que tiver uma dúvida sobre como agir". Esse código de conduta tem regras que vão desde a forma do chefe tratar sua equipe até menção ao recebimento de propinas. "Nós estabelecemos, por exemplo, que é proibido ao funcionário receber qualquer tipo de objeto, dinheiro ou forma de propina. "É claro que os presentes institucionais são permitidos. O que não podemos deixar é que um fornecedor presenteie um membro da organização com algo maior, onde esteja implícita alguma contrapartida de negócio. Se isso acontecer, nós devolvemos o objeto e passamos a observar o comportamento daquele fornecedor".
As regras que integram o código de conduta são estabelecidas por um comitê de ética, do qual participam até o conselho administrativo da empresa, se necessário for. O conselho reúne-se quinzenalmente para discutir as ocorrências registradas pela ouvidoria da empresa. "Sempre envolvemos pessoas que estejam um nível acima ao que a ocorrência diz respeito", observa Denise. "Se ela envolver o presidente, por exemplo, membros do conselho são convidados para discutir a questão".
A empresa trabalha de forma exaustiva a comunicação de seus valores "para que as pessoas os interiorizem e passem a não enxergar outra possibilidade que não a da vida dentro da ética".
Um presente
O impacto que um deslize ético da empresa pode trazer, caso venha a público, é grande. Cada vez mais, as pessoas estão menos tolerantes a essas falhas. O 'boom' da tecnologia que, em certa medida, democratizou o acesso à informação, faz esses escândalos tomarem proporções cada vez maiores. "Sem a Internet talvez nem tivéssemos tomado conhecimento de todos esses acontecimentos", diz a diretora de Recursos Humanos da Suzano, Denise Casagrande. "A sociedade está mais crítica, mais vigilante, especialmente em razão da facilidade com que se obtém informações pelos meios eletrônicos".
O terremoto ocasionado por alguns episódios corporativos, como a falência de grandes corporações, foi um dos fatores que contribuiu para essa vigilância. "O efeito Enron e Parmalat foram um presente para a sociedade. Tudo foi para o palco. Empresas centenárias que se mostraram antiéticas ruíram", diz Rosa Alegria. "Com isso, não por serem benevolentes, mas por cobrança da sociedade, as organizações passaram a se preocupar mais com responsabilidade social".
Entretanto, Rosa destaca que as organizações precisam se aprimorar nesse processo, para conseguir resgatar a confiança das pessoas. "Pesquisas já indicam que a cada ano os funcionários acreditam menos no que as empresas dizem. Há aí uma crise de credibilidade das companhias com os públicos, que pode resultar, entre outras conseqüências, na fuga de cérebros".
Leis mais duras
Franken concorda que o nível de tolerância das pessoas está cada vez menor, mas não crê que essa consciência seja suficiente para punir as empresas que agem fora dos padrões éticos. "Somos orientados para o consumo, por mais que tentemos, não conseguimos ficar o resto da vida sem consumir os produtos de uma determinada empresa", diz. Para ele, a legislação brasileira precisa evoluir de forma a permitir a punição adequada para quem falta com a ética. "Essa responsabilidade não pode ficar apenas nas mãos da sociedade".
As sanções e os reforços são também pontos importantes para a Suzano. "É preciso mostrar as conseqüências do comportamento não ético. Sinto que a sociedade está menos tolerante com a falta de ética, mas ao mesmo tempo ela vive decepcionada, pois não vê a punição para quem age assim", observa Denise.
Sustentabilidade
Para Rosa, a manutenção da ética é fundamental para que as organizações cheguem ao tão desejado estado de sustentabilidade. "A sustentabilidade é um valor que só se obtém passando pela ética. Não existe empresa feita para durar para sempre. Se ela deslizar, se não trabalhar pelo bem comum, toda a sua história vai por água abaixo".
Mas como as questões éticas, que também se ajustam à época em que se aplicam, poderiam ser um dos pilares de sustentabilidade? Tjerk Guus Franken diz que "o problema é que as empresas não são mais feitas para durar muito tempo. Elas aparecem e desaparecem num período cada vez mais curto. Isso se dá em razão do boom das fusões e aquisições. Logo, a questão da ética fica diluída em meio a tudo isso".
Cabe a cada uma fazer suas escolhas para contribuir por referências positivas para uma sociedade perene.
Escândalos Corporativos Famosos
Enron: Em 2001, após ser alvo de uma série de denúncias de fraudes contábeis e fiscais, a Enron, uma gigante do setor energético americano, pediu concordata acumulando uma dívida de US$ 13 bilhões;
Parmalat: em 2003, o mundo assistiu a outra derrocada motivada pela falta de ética na gestão. Naquele ano a Parmalat protagonizou um escândalo ainda maior, quando divulgou um documento falso para acalmar o ânimo dos investidores. A mentira foi a ponta de um iceberg, que revelou um esquema fraudulento onde, por meio de balanços falsos, a empresa escondia um endividamento de € 11 bilhões;
Cisco Systems: Em outubro do ano passado, foi a vez da norte-americana Cisco Systems ser o epicentro de outro escândalo, quando uma operação chamada "Persona", deflagrada pela Polícia Federal resultou no desmonte de um esquema de fraude em importações da ordem de R$ 1,5 bilhão em impostos sonegados. O resultado foi a prisão temporária de vários executivos da empresa, incluindo o CEO da empresa no Brasil.
Houve um tempo em que a sociedade acreditava ter mais coerência em suas relações. Há 50 anos, quando o assunto eram valores, o pai dizia a mesma coisa que o padre pregava na igreja, que era o mesmo que o professor explicava em sala de aula, e era o mesmo que o juiz aplicava. E os meios de comunicação se alimentavam desses mesmos discursos. "Hoje isso mudou de figura. Um pai diz algo para o filho, mas quando a criança liga a televisão vê algo totalmente diferente", diz Tjerk Guus Franken, consultor de desenvolvimento organizacional da Change Consultoria e membro do Conselho Administrativo da ABRH Nacional.
Ou seja, vivemos num mundo cercado de incoerências, onde fica cada vez mais improvável encontrar referências universais, importantes para a formação dos valores de um cidadão. Sem elas, fica difícil para um individuo entender padrões éticos e incorporá-los em sua conduta diária. "Nesse sentido, as empresas têm a grande responsabilidade de revitalizar e perpetuar os valores", afirma a coordenadora do Centro de Estudos do Futuro da PUC-SP, Rosa Alegria. "Elas podem e devem servir como fonte dessas referências".
Mas para isso elas precisam sair da era do 'vale tudo' e deixar de fazer concessões de valores, defende Franken. Na última década, a sociedade foi bombardeada com escândalos corporativos envolvendo grandes empresas que para obter melhores resultados maquiavam números, fraudavam documentos, falsificavam balanços financeiros, sonegavam impostos, entre outras práticas antiéticas. O mais recente deles envolveu 17 companhias de papel e celulose do Japão, entre elas as líderes de mercado Oji Paper e a Nippon Paper, que admitiram falsificar dados sobre a quantidade de papel não reciclado em seus produtos sustentáveis. As companhias usavam menos material reciclado do que as normas estabelecidas pelo setor, o que configura a maquiagem de produtos.
"A concorrência e a pressão desmedida por resultados, principalmente financeiros, têm levado as empresas a esse vale-tudo", avalia Franken. "Nos EUA isso é muito acentuado. O executivo, para não perder seu bônus, acaba extrapolando alguns limites". Para Franken, isso é resultado de relações promíscuas entre o conselho e os acionistas, o conselho e os executivos, os executivos e os fornecedores, parceiros, etc. "Existem acordos tácitos entre esses agentes. Acordos que aceitam o uso de algumas dessas artimanhas em prol de bons resultados", diz.
O consultor defende a dosagem dessa pressão e o foco no 'como' atingir os resultados. "A empresa não pode querer apenas resultados em números. Ela precisa buscar o resultado ético. Quando há relaxamento desses padrões, é sinal claro de que a organização está entrando em decadência".
Antiética justificada
Segundo Franken, há empresas que dizem fazer apenas as concessões que o mercado aceita. "Quer dizer, cria-se um discurso para justificar a falta de ética dentro de casa colocando a culpa nas regras do mercado ou na concorrência. O risco implícito, nessa forma de agir, é fazer concessões cada vez maiores".
Isso se dá, na visão de Franken, devido à ausência de uma definição clara por parte das empresas do que é um comportamento ético. "Falo de códigos de conduta, que traduzam a ética em ações. Por exemplo, pode-se estabelecer que não é permitido receber de um fornecedor, ou concorrente a fornecedor um presente cujo valor esteja acima de R$ 100. Ou pode-se estabelecer que não é permitido receber nada. Pode-se ainda definir não ser permitido gritar com o subordinado, fazer piadas com ele na frente dos outros, etc. Esses códigos servem também para a liderança e para o conselho da empresa", orienta.
É o que faz a Suzano Papel e Celulose. Segundo a diretora de Recursos Humanos, Denise Casagrande, foi desenvolvido um código de conduta baseado no código de ética da companhia. O objetivo é esclarecer as dúvidas dos funcionários em relação a uma decisão ou postura a serem adotadas diante de algumas situações. "Para nós, o 'estado da arte' seria o funcionário procurar o ouvidor sempre que tiver uma dúvida sobre como agir". Esse código de conduta tem regras que vão desde a forma do chefe tratar sua equipe até menção ao recebimento de propinas. "Nós estabelecemos, por exemplo, que é proibido ao funcionário receber qualquer tipo de objeto, dinheiro ou forma de propina. "É claro que os presentes institucionais são permitidos. O que não podemos deixar é que um fornecedor presenteie um membro da organização com algo maior, onde esteja implícita alguma contrapartida de negócio. Se isso acontecer, nós devolvemos o objeto e passamos a observar o comportamento daquele fornecedor".
As regras que integram o código de conduta são estabelecidas por um comitê de ética, do qual participam até o conselho administrativo da empresa, se necessário for. O conselho reúne-se quinzenalmente para discutir as ocorrências registradas pela ouvidoria da empresa. "Sempre envolvemos pessoas que estejam um nível acima ao que a ocorrência diz respeito", observa Denise. "Se ela envolver o presidente, por exemplo, membros do conselho são convidados para discutir a questão".
A empresa trabalha de forma exaustiva a comunicação de seus valores "para que as pessoas os interiorizem e passem a não enxergar outra possibilidade que não a da vida dentro da ética".
Um presente
O impacto que um deslize ético da empresa pode trazer, caso venha a público, é grande. Cada vez mais, as pessoas estão menos tolerantes a essas falhas. O 'boom' da tecnologia que, em certa medida, democratizou o acesso à informação, faz esses escândalos tomarem proporções cada vez maiores. "Sem a Internet talvez nem tivéssemos tomado conhecimento de todos esses acontecimentos", diz a diretora de Recursos Humanos da Suzano, Denise Casagrande. "A sociedade está mais crítica, mais vigilante, especialmente em razão da facilidade com que se obtém informações pelos meios eletrônicos".
O terremoto ocasionado por alguns episódios corporativos, como a falência de grandes corporações, foi um dos fatores que contribuiu para essa vigilância. "O efeito Enron e Parmalat foram um presente para a sociedade. Tudo foi para o palco. Empresas centenárias que se mostraram antiéticas ruíram", diz Rosa Alegria. "Com isso, não por serem benevolentes, mas por cobrança da sociedade, as organizações passaram a se preocupar mais com responsabilidade social".
Entretanto, Rosa destaca que as organizações precisam se aprimorar nesse processo, para conseguir resgatar a confiança das pessoas. "Pesquisas já indicam que a cada ano os funcionários acreditam menos no que as empresas dizem. Há aí uma crise de credibilidade das companhias com os públicos, que pode resultar, entre outras conseqüências, na fuga de cérebros".
Leis mais duras
Franken concorda que o nível de tolerância das pessoas está cada vez menor, mas não crê que essa consciência seja suficiente para punir as empresas que agem fora dos padrões éticos. "Somos orientados para o consumo, por mais que tentemos, não conseguimos ficar o resto da vida sem consumir os produtos de uma determinada empresa", diz. Para ele, a legislação brasileira precisa evoluir de forma a permitir a punição adequada para quem falta com a ética. "Essa responsabilidade não pode ficar apenas nas mãos da sociedade".
As sanções e os reforços são também pontos importantes para a Suzano. "É preciso mostrar as conseqüências do comportamento não ético. Sinto que a sociedade está menos tolerante com a falta de ética, mas ao mesmo tempo ela vive decepcionada, pois não vê a punição para quem age assim", observa Denise.
Sustentabilidade
Para Rosa, a manutenção da ética é fundamental para que as organizações cheguem ao tão desejado estado de sustentabilidade. "A sustentabilidade é um valor que só se obtém passando pela ética. Não existe empresa feita para durar para sempre. Se ela deslizar, se não trabalhar pelo bem comum, toda a sua história vai por água abaixo".
Mas como as questões éticas, que também se ajustam à época em que se aplicam, poderiam ser um dos pilares de sustentabilidade? Tjerk Guus Franken diz que "o problema é que as empresas não são mais feitas para durar muito tempo. Elas aparecem e desaparecem num período cada vez mais curto. Isso se dá em razão do boom das fusões e aquisições. Logo, a questão da ética fica diluída em meio a tudo isso".
Cabe a cada uma fazer suas escolhas para contribuir por referências positivas para uma sociedade perene.
Escândalos Corporativos Famosos
Enron: Em 2001, após ser alvo de uma série de denúncias de fraudes contábeis e fiscais, a Enron, uma gigante do setor energético americano, pediu concordata acumulando uma dívida de US$ 13 bilhões;
Parmalat: em 2003, o mundo assistiu a outra derrocada motivada pela falta de ética na gestão. Naquele ano a Parmalat protagonizou um escândalo ainda maior, quando divulgou um documento falso para acalmar o ânimo dos investidores. A mentira foi a ponta de um iceberg, que revelou um esquema fraudulento onde, por meio de balanços falsos, a empresa escondia um endividamento de € 11 bilhões;
Cisco Systems: Em outubro do ano passado, foi a vez da norte-americana Cisco Systems ser o epicentro de outro escândalo, quando uma operação chamada "Persona", deflagrada pela Polícia Federal resultou no desmonte de um esquema de fraude em importações da ordem de R$ 1,5 bilhão em impostos sonegados. O resultado foi a prisão temporária de vários executivos da empresa, incluindo o CEO da empresa no Brasil.