Por Dentro do Universo de Daniel Dantas
Mariana Sanches e Ricardo Mendonça - Revista Época nº 530 de 14/07/2008
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A vida do aluno brilhante, que virou mito no mercado financeiro,
"O Daniel Dantas não senta numa mesa para conversar. Levanta, é agoniado. Tenho impressão de que não se diverte, não pensa em nada, só trabalho. Fica calado o tempo todo. De repente, vem com uma solução genial. E isso serve para qualquer assunto. Se você tem um problema para amarrar um boi, ele ouve, ouve e vem com uma solução de dar um nó ao contrário, uma coisa que ninguém pensou antes, mas que dá certo. É um Professor Pardal. Nunca ouvi ele falar de música, de namorada. Só come folha e só toma vinho ruim. A única vez que fui à casa dele, tive uma decepção. Não tem nenhum quadro que preste. Ele é uma figura toda esquisita".
A descrição acima foi feita pelo senador Heráclito Fortes (DEM-PI). Embora afirme não ser tão próximo de Dantas, Fortes ganhou fama como principal defensor do banqueiro no Congresso. Fortes é hoje um dos poucos homens da República que tiveram relações próximas com Dantas e admitem falar abertamente sobre ele. A prisão parece ter afugentado os já escassos amigos. Dono de um estilo agressivo, Dantas brigou com praticamente todas as pessoas com quem fez negócios. "Atualmente, não saberia citar mais que três amigos de Daniel Dantas", afirma um político baiano.
Pouca fala e hábitos estranhos: ele almoça a mesma comida todos os dias, até enjoar.
O foco da vida de Dantas sempre foram os estudos e os negócios. Sua rotina de trabalho começa antes das 7 horas e termina quase sempre depois das 22 horas, mesmo nos fins de semana. Dantas criou hábitos típicos dos gênios obsessivos dos filmes. Para evitar perder tempo com cardápios, almoça sempre a mesma coisa: legumes cozidos, peixe grelhado, frutas. Praticamente não varia o traje: o terno é sempre preto ou azul-marinho, a camisa é sempre azul-clara, a gravata é sempre azul-escura. O carro só é trocado quando há problema mecânico. Palavras, somente as estritamente necessárias. Por isso, seu vocabulário não costuma incluir "bom dia" ou "por favor". No escritório, desenvolveu o hábito de trabalhar a maior parte do tempo em pé, porque acha que assim consegue pensar com mais eficiência.
Filho de família tradicional na Bahia, Dantas começou a trabalhar cedo. Ajudava o pai, Raimundo, a tocar uma indústria têxtil. Raimundo era reconhecido como um homem sociável e de muitos amigos, entre eles o senador Antônio Carlos Magalhães, morto em 2007. Dantas abriu seu primeiro negócio aos 17 anos, quando criou com dois amigos uma fábrica de sacolas de papel. Um deles era Carlos Rodenburg, que mais tarde acabou casando com sua irmã, Verônica. A empresa foi vendida. Rodenburg e Verônica se separaram anos depois, mas acompanham Dantas nos negócios até hoje. Ainda na Bahia, Dantas cursou Engenharia Civil na Universidade Federal. Trabalhou como engenheiro na empreiteira Norberto Odebrecht até mudar-se para o Rio de Janeiro, onde fez mestrado e doutorado na Fundação Getúlio Vargas.
A trajetória acadêmica de Dantas foi meteórica. Em dois anos, havia concluído os dois cursos e se tornado pupilo do consagrado economista e ex-ministro Mário Henrique Simonsen. A dedicação de Dantas à vida acadêmica era tamanha que, em 1980, ele adiou o próprio casamento para participar de um congresso. Nesse evento, conheceu o economista italiano Franco Modigliani, um dos quatro vencedores do Prêmio Nobel de Economia que viriam a ser seus professores. Os outros foram os americanos Paul Samuelson, Robert Merton e Robert Solow. Modigliani indicou Dantas para um pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Boston.
Durante o curso em Boston, Dantas costumava voltar ao Brasil nos fins de semana para trabalhar na corretora Triplic, onde já tinha uma participação societária. Para cumprir a jornada, dormia às noites de sexta-feira e domingo em aviões. Quando acabou o pós-doutorado, voltou de forma definitiva, interrompeu as atividades acadêmicas e passou a se dedicar exclusivamente aos negócios. Sua fortuna é estimada em US$ 1 bilhão, dos quais não se tem notícia de um centavo gasto em casas de campo, coleções de arte, iates e afins.
De volta ao Brasil, Dantas logo chegou à vice-presidência de investimentos do Bradesco. Em 1986, o Bradesco ainda mantinha uma sociedade com o empresário português Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, dono da seguradora Atlântica Boavista. Quando a sociedade foi rompida, Braguinha saiu com US$ 72 milhões no bolso. Separou US$ 22 milhões para curtir o ócio e fundou o banco Icatu com os US$ 50 milhões restantes. Para administrá-lo, convidou Dantas, por sugestão de Simonsen.
No Icatu, Dantas virou mito. Nos oito anos em que dirigiu a instituição, o patrimônio do banco passou de US$ 50 milhões para US$ 180 milhões. O lucro anual ultrapassou os US$ 50 milhões. Três jogadas suas ganharam fama. A primeira foi comprar ações de estatais de energia e telefonia quando elas valiam muito pouco. Dantas calculou que logo o governo seria obrigado a reajustar tarifas para financiar o déficit público. Quando as taxas começaram a subir, as ações dispararam. Outra jogada certeira foi apostar nos desidratados papéis da Petrobrás quando ficou sabendo de uma apresentação de burocratas argentinos em Nova York sobre a privatização da petrolífera YPF. Dantas concluiu que o interesse dos americanos pelos latinos aumentaria, valorizando assim as ações da Petrobrás. Acertou novamente. A terceira foi na véspera da eleição de 1989, vencida por Fernando Collor. Ao olhar para o que estava ocorrendo no exterior, concluiu que haveria algum tipo de confisco. Investiu em soja e café e conseguiu atravessar o período ruim exportando, livre do confisco.
Quando os sócios começaram a entender e a questionar os
contratos, nasceu a maior disputa societária da história do Brasil.
Seu momento mais glorioso talvez tenha sido em 1993, quando já negociava sua saída do Icatu e montava o Opportunity. O fundo Equity, administrado por ele, terminou aquele ano como o mais rentável do mundo, com valorização de 156% sobre o dólar. Na mesma lista, o celebrado Quantum Emerging, sob os cuidados do famoso investidor húngaro George Soros, ficou em quarto, com 92% de retorno. Com o crescimento do Icatu, a remuneração excessiva de Dantas começou a incomodar os filhos de Braguinha. Foi quando fizeram o acordo de separação. Com o bolso recheado, Dantas montou o Opportunity em 1994. Hoje, esse banco gerencia algo entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões em recursos de terceiros.
No início dos anos 90, Dantas tinha convicção de que as privatizações seriam o maior negócio do Brasil naquela década. Mas não tinha capital para disputá-las sozinho. É aí que começa a operação mais ambiciosa de sua carreira. Em torno do Opportunity, ele passou a montar consórcios para disputar o controle das empresas de telefonia. Seu grande trunfo foi ter firmado um acordo em 1997 com o Citibank para criar o CVC Opportunity, fundo com enorme potencial financeiro bancado por investidores americanos. O Citi deu carta branca para Dantas gerir esse fundo. Na telefonia móvel, Dantas juntou em torno de si a canadense TIW e um consórcio de seis fundos de pensão liderados pela Previ, dos funcionários do Banco do Brasil. Com eles, arrematou a Telemig Celular e a Amazônia Celular, peças menores no xadrez da telefonia.
Na telefonia fixa, onde a disputa era maior, Dantas atraiu a Previ e a Telecom Italia. Sua intenção era comprar a Tele Norte-Leste (atual Oi), empresa que atendia todos os Estados do Sudeste, com exceção de São Paulo, o Nordeste e parte da Região Norte. Para surpresa do mercado, ocorreram dois movimentos inesperados na privatização. O primeiro foi a compra da Telesp pela Telefónica da Espanha, grupo que declarava interesse apenas na Tele Centro-Sul (atual Brasil Telecom). O segundo foi o surgimento de uma proposta do grupo de Dantas pela Tele Centro-Sul. Sem a Telefónica na parada, o Opportunity e sua turma venceram essa disputa. A vitória desclassificou o grupo de Dantas para o terceiro leilão, da Tele Norte-Leste. Essa última empresa acabou ficando com o grupo liderado pelos empresários Carlos Jereissati e Sérgio Andrade.
A origem da maioria dos proverbiais litígios de Dantas está na complicada formação desses consórcios. Os acordos costurados antes do leilão resultaram em estruturas societárias complexas, formadas por um conjunto de holding e sub-holdings em diversos estágios de controle que, ao final, davam poderes de gestão apenas ao próprio Dantas. Chama a atenção a forma como ele, a partir de uma instituição pequena e com menos dinheiro que os demais sócios, conseguiu montar uma composição tão favorável a si mesmo. Alguns dizem que ele teria se aproveitado da boa-fé e da desatenção dos executivos.
Logo após a privatização, os sócios de Dantas começaram a reler, entender e questionar os contratos. Foi assim que Dantas virou o pivô daquilo que o ex-ministro Luiz Gushiken classificou certa vez como "a maior disputa societária da história do capitalismo brasileiro". Os primeiros a reclamar foram os canadenses, da TIW, que haviam investido US$ 350 milhões na Telemig e na Amazônia Celular. Eles alegaram ter sido ludibriados na montagem da sociedade. Abriram processos no Brasil e no exterior e, no final, acabaram desistindo e vendendo tudo para o próprio Opportunity por US$ 70 milhões. Depois foi a vez dos fundos de pensão, liderados pela Previ. Em 1999, a Previ trocou de diretoria. Os novos diretores auditaram os contratos feitos com o Opportunity e despejaram um amontoado de processos contra o Opportunity na Justiça.
Em seguida, veio a disputa com a Telecom Italia. Interessados em operar telefonia celular, os italianos queriam antecipar as metas de investimento na Brasil Telecom, condição necessária para que recebessem autorização do governo. Na gestão da empresa, Dantas atrasava os investimentos necessários. Os italianos interpretaram isso como uma forma de obrigá-los a vender sua participação ao Opportunity e foram para a briga. No meio dessa guerra, a Telecom Italia teria enviado à Polícia Federal um CD com a lista de empresários e membros do governo que teriam sido perseguidos e grampeados pela empresa de espionagem Kroll, a mando de Dantas. Um dos espionados era Gushiken, tido como aliado da Previ e inimigo de Dantas no governo. Com base nessa denúncia, a PF deflagrou, em 2004, a Operação Chacal, que recolheu na sede do Opportunity, no apartamento de Dantas e na sede da Kroll vários documentos e um disco rígido com informações sobre os clientes do banco. Nessa ocasião, Dantas saiu do Brasil para não ser preso.
Um dos métodos de atuação de Dantas foi buscar a proximidade com o poder. Na época das privatizações, o Opportunity contratou o ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida e a ex-diretora do BNDES Elena Landau. No governo Lula, Dantas negociou uma parceria com a Gamecorp, empresa de Fábio Luiz, o Lulinha, filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quando estavam próximos de fechar negócio, Lula foi alertado e abortou a operação. A Gamecorp virou então sócia da Telemar. Por meio de suas empresas, Dantas também contratou serviços advocatícios de Roberto Teixeira, compadre de Lula, de Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, ligado ao ex-ministro José Dirceu, e de Roberto Mangabeira Unger, hoje ministro.
Um personagem particular atravessou todo esse período em feroz litígio particular com Dantas: Luís Roberto Demarco. Economista, ele virou sócio do Opportunity em 1997 e se desentendeu com Dantas em 1999, após o fracasso dos investimentos do banco no Esporte Clube Bahia. O desentendimento maior ocorreu quando Demarco resolveu sair e pediu indenização de 3,5% de participação no fundo CVC Opportunity, sediado nas Ilhas Cayman. Dantas nunca concordou. Em 2006, o Conselho Privado da Rainha, na corte de Londres (que trata de assuntos de além-mar), deu ganho de causa definitivo a Demarco. A briga expôs uma irregularidade do fundo: brasileiros haviam colocado dinheiro no fundo, o que era vedado. Isso levou Dantas a responder a processo na Comissão de Valores Mobiliários.
Em 2005, Dantas recebeu a maior pancada societária de sua trajetória. Depois de oito anos de apoio, o Citibank, seu último aliado na disputa pelo controle das empresas, decidiu abandoná-lo. Em março daquele ano, o banco americano anunciou a destituição de Dantas da administração do CVC Opportunity. Com as denúncias de envolvimento de Dantas no caso Kroll e o possível indiciamento do banqueiro, o Citi temia complicações jurídicas nos EUA. Dessa separação, surgiu um processo contra Dantas que corre em segredo de Justiça em Nova York. O Citi pede US$ 300 milhões sob acusação de fraude, violação de contrato, conduta ilícita e falsas afirmações.
Outro episódio na história de Dantas foi sua participação na CPI dos Correios, em 2005, acusado de ser financiador do esquema do mensalão. Dar dinheiro a parlamentares ligados ao governo era, de acordo com as investigações, mais uma maneira de se aproximar do poder e facilitar seus negócios. Em seu depoimento, Dantas negou ter financiado o mensalão, mas disse que certa vez foi procurado pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, que lhe pediu para pagar uma dívida de US$ 50 milhões do partido. O processo contra Dantas foi enviado à Justiça Federal em São Paulo.
Havia fortes indícios para acreditar que o inferno de Daniel Dantas acabaria com a venda da Brasil Telecom para a Oi (ex-Telemar). Esse contrato já está assinado, mas aguarda aval da Agência Nacional de Telecomunicações. Seria a oportunidade de Dantas sair do setor em acordo com seus ex-sócios, vincular sua saída à anulação dos processos e, a partir daí, limpar sua imagem no mercado para tocar o banco e seus novos negócios, como a pecuária no Pará. Faltou combinar com a Polícia Federal.
A Constelação de Daniel Dantas.
Personagens e companhias que se envolveram em desavenças com o banqueiro do Opportunity.