Segredo é para quem sabe guardar
Ricardo Amaral - Revista Época nº 508 de 11/02/2008
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81581-9570-508,00.html
O governo que vaza informação sigilosa na internet precisa de verba secreta?
Os jornais estão repletos de comentários a propósito do vazamento de informações sobre despesas da Presidência da República nos últimos dias, com destaque para aquelas que deveriam estar preservadas pelo sigilo. Com base nessas informações, colhidas numa página do próprio governo na internet, afirma-se uma vez mais que o Planalto gasta mal, gasta demais ou gasta com luxos e supérfluos, a juízo do comentarista. Num país onde a agenda política está contaminada pelo denuncismo e pela troca de acusações no "campo ético", compreende-se que seja esse o aspecto mais destacado no episódio do Portal da Transparência. Não é o único e talvez nem seja o mais importante.
Nos países que lidaram mais que nós com a guerra e seus intervalos, com sedições internas ou com as ameaças do terrorismo – quer dizer, na maior parte do planeta –, o foco principal desse caso seria outro. Seria o vazamento de informações sigilosas, inclusive dos dados relativos às despesas do presidente da República e à garantia da segurança de seus familiares. O que no Brasil é acessório, noutros lugares seria o próprio escândalo. Recorrendo a um chavão surrado: na Europa, no Japão ou nos Estados Unidos, já teriam caído o ministro responsável pela segurança e seu colega da transparência.
A Constituição estabelece a publicidade dos atos de governo (incluindo gastos) como um dos princípios para o exercício do poder público. Em dois itens do Artigo 5º, que trata dos direitos individuais, ela assegura, no entanto, a prerrogativa do segredo para proteger "a intimidade do cidadão" e os assuntos que envolvam a "segurança da sociedade e do Estado". Chegamos a um empate constitucional, pois o mesmo artigo invocado para manter em segredo os gastos da segurança garante o sigilo bancário e das comunicações pessoais.
Há quem veja exagero e má-fé nas restrições que protegem esse tipo de gasto – e que foram miseravelmente furadas pelo Portal da Transparência. Desse ponto de vista, o segredo serviria para encobrir mordomias, como a compra de carnes finas e vinhos caros para a mesa do presidente e seus convivas. Suspeitas dessa natureza saem reforçadas pelo fetiche dos pagamentos em cartão corporativo, quando se lê que verbas teoricamente secretas pagam a manutenção da piscina dos agentes que protegem a filha do presidente.
Governo que vaza sigilo de Estado não merece fazer despesas com verba secreta.
Do ponto de vista da segurança, o problema é outro. Tornaram-se públicas informações que podem indicar quantos são os agentes envolvidos no esquema de segurança e de que maneira eles operam. Ficaram mais vulneráveis os agentes, o presidente da República e, por extensão, o Estado. Dito de outra forma: quanto vale no mercado do crime a informação de que fulano de tal, militar mal pago, que mora naquele bairro, costuma dormir fora e leva no bolso um cartão corporativo é um dos agentes que protegem os netos do presidente da República? Quanto renderia extorquir esse cidadão?
Diante de situação semelhante, jornais de outros países provavelmente escolheriam o rombo no esquema da segurança para suas manchetes. A lista de compras do palácio e dos agentes renderia, certamente, uma nota pitoresca. Isso não serve como consolo para o Planalto. Foi gente do governo quem fez essas despesas e permitiu que elas fossem divulgadas na internet. A questão não é saber se a transparência deve ser sacrificada em nome da segurança. É saber se um governo que não é capaz de preservar segredos de Estado merece a prerrogativa de fazer despesas com verba secreta.
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