domingo, 10 de fevereiro de 2008

A seleção de ONGs para os convênios com o governo é brecha para a corrupção



R$ 10 bi Sem Controle
Murilo Ramos - Revista Época nº 508 de 08/02/2008
Fotos de Edilson Rodrigues & Alberto César


O governo federal repassou R$ 15 bilhões às ONGs entre 1999 e 2006.
Desse total, dois terços não foram fiscalizados.


Diversão
Uma passista do bloco do boi Caprichoso, de Parintins, Amazonas.
O show será investigado pela CPI.



As cerca de 200 mil organizações não-governamentais (ONGs) em atividade no Brasil atuam nas mais diversas áreas. Uma delas, a Agência Nacional de Gestão de Recursos para a Hiléia Amazônica (Angrhamazonica), chama a atenção pela versatilidade. Criada para atuar na área ambiental, ela é um sucesso no ramo de entretenimento. A Angrhamazonica obteve uma verba de R$ 2,5 milhões dos ministérios da Cultura e do Turismo para organizar um show dos bois Garantido e Caprichoso, atrações típicas do Carnaval de Parintins, no Amazonas, no Réveillon de Brasília.


Tanto o Ministério da Cultura quanto o do Turismo afirmam que aceitaram o serviço da entidade porque ela cumpriu todas as exigências legais. Mesmo com toda a burocracia em dia, a Angrhamazonica é um dos casos investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, responsável por apurar irregularidades no repasse de dinheiro público. Para começar, o valor do negócio está sob suspeita. O show durou cerca de uma hora e custou R$ 2,5 milhões. No mesmo dia, o governo do Distrito Federal gastou bem menos, R$ 1,8 milhão, para organizar um espetáculo de 15 horas de duração. No endereço da Angrhamazonica registrado no Ministério da Justiça, em Manaus, funciona uma loja de conserto de aparelhos eletrônicos e de jogos para computador. "Essa Angrhamazonica só existe no papel", diz o gerente da loja, Jacildo Farias. Ele diz ser primo da responsável pela ONG, Nair Queiroz Blair.


Nair está bem longe da Amazônia. Ela é assessora parlamentar da liderança do PDT no Senado, em Brasília, desde 2003. "A sede funcionava lá (em Manaus) até setembro, quando nos transferimos para Brasília", afirma Nair. No Congresso, Nair trabalha numa sala a 300 metros de onde funciona a CPI que a investiga. Ela é conhecida por fazer lobby entre parlamentares para conseguir dinheiro público para sua ONG. "Em novembro, ela me pediu que incluísse emendas ao Orçamento para a Angrhamazonica. Achei estranho e não atendi ao pedido", diz o senador Jefferson Perez (AM), líder do PDT no Senado. Nair nega ter feito o pedido.



A seleção de ONGs para os convênios com o governo,
feita sem critérios objetivos, é brecha para a corrupção.



Casos como o da Angrhamazonica são cada vez mais freqüentes. O jornal O Globo mostrou recentemente como deputados federais do Rio de Janeiro incluíram emendas ao Orçamento de 2008 para beneficiar ONGs ligadas a eles. Um dos exemplos citados é o deputado Manoel Ferreira (PTB-RJ). Ele apresentou emenda ao Orçamento federal para repassar R$ 1 milhão para a ONG Phoenix Auto-Estima, que funciona num escritório dele mesmo e afirma prestar "atendimento psicossocial".


As ONGs nasceram como uma alternativa da sociedade para executar tarefas deixadas de lado pela ineficiência dos governos. Em geral, sobrevivem com dinheiro privado e prestam serviços relevantes. Nos anos 1990, começaram a ser contratadas por governos para executar serviços especializados com mais agilidade. Entre 1999 e 2006, o governo federal destinou R$ 15 bilhões em dinheiro público a mais de 7 mil ONGs. As despesas com essas entidades subiram 71% no primeiro mandato do governo Lula em relação ao último do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.


O que era para ser uma solução virou um problema. De acordo com auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mais de R$ 10 bilhões em convênios do governo com ONGs deixaram de ser fiscalizados nos últimos anos. As ONGs ainda não prestaram contas de R$ 2 bilhões recebidos do governo. A falta de fiscalização transformou essas entidades em mais um foco de corrupção, segundo o Ministério Público Federal.





É Aqui?
A sede oficial da Angrhamazonica em Manaus, Amazonas.
No local funciona uma loja de equipamentos eletrônicos.




De acordo com o procurador da República do Distrito Federal, Rômulo Conrado, especializado em ONGs, a primeira brecha para a corrupção é a forma de seleção das ONGs. A escolha é feita por funcionários dos ministérios, sem critérios objetivos. "O governo não explica por que destina o dinheiro a uma determinada ONG em detrimento da outra", afirma. Conrado sugere que as ONGs sejam obrigadas a participar de licitações, como qualquer empresa.


No mundo inteiro, as ONGs trabalham para governos. Ao contrário do que acontece no Brasil, sua atuação é fiscalizada. De acordo com um estudo realizado pela universidade americana Johns Hopkins em 35 países, o apoio financeiro do governo representa 34% das receitas dessas organizações. Em locais como Reino Unido, Holanda, Alemanha e França, o governo é o maior financiador das ONGs ligadas à saúde e a serviços sociais. Na República Tcheca há um fundo para repasses a ONGs. Governo e organizações não-governamentais elegem representantes desse fundo, que acompanham os gastos com o dinheiro público.


No mês passado, já deveriam ter sido colocadas em prática regras para o repasse de recursos para ONGs no Brasil. Entre elas, a proibição de que organizações ligadas a políticos e seus parentes recebam dinheiro público. O governo adiou a aplicação das novas normas por seis meses por "incapacidade técnica" para implantar o novo modelo. "É uma esculhambação. O governo adiou porque não quer controle em ano eleitoral", diz o presidente da CPI das ONGs, Raimundo Colombo (DEM-SC).





Fonte: CPI das ONGs



De acordo com ele, as investigações da CPI avançaram pouco até agora porque parlamentares da base governista travaram pedidos de quebra de sigilo bancário e telefônico que envolviam suspeitos, entre eles, Jorge Lorenzetti, amigo do presidente Lula. Lorenzetti estava envolvido no escândalo da compra de um falso dossiê contra candidatos do PSDB nas eleições de 2006. Ele também é investigado pela CPI por suspeita de envolvimento no desvio de R$ 18 milhões de dinheiro público pela ONG Unitrabalho.








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Um comentário:

  1. É preciso haver controle. Cadê os Tribunais de Conta? CPI não tem valor pois é tudo acordo político para que não se já ao âmago da questão. Drauzio Milagres.

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