Carta de Berlim - Monumento aos Homossexuais Perseguidos
Flávio Aguiar - Agência Carta Maior - 29/05/2008
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15023
Inauguração de Memorial aos homossexuais perseguidos pelo nazismo evoca que a intolerância e o preconceito foram muito além daquele regime. Entre 1935 e o fim da Segunda Guerra Mundial, 50 mil homossexuais foram condenados por seu "crime". Cerca de 15 mil foram deportados para campos de concentração e entre 5 e 7 mil, assassinados.
Monumento aos Homossexuais Perseguidos
Michael Elmgreen e Ingar Dragset
Berlim - Na terça feira, dia 27 de maio, foi inaugurado em Berlim, no parque Tiergarten, um Memorial dedicado aos homossexuais perseguidos e mortos pelo regime nazista. O monumento, de autoria dos artistas Michael Elmgreen e Ingar Dragset, é bastante simples. Consiste num pilar cinzento com 1,9 m. de largura e 3,6 m. de comprimento. Na sua base há uma tela de tevê, onde se pode ver a cena (de filme) de dois homens se beijando.
O pilar, próximo também do Portão de Brandenburgo, fica em frente ao Memorial pelos Judeus da Europa Assassinados pelos Nazistas. Este consiste em quase 3 mil blocos também cinzentos, de altura variável, que formam uma espécie de labirinto de passagens perpendiculares umas às outras. Sob ele há uma mostra permanente com documentos, fotos e outras evocações dos judeus mortos nos campos de concentração e fora deles, durante a vigência do regime nazista.
À inauguração do monumento aos homossexuais compareceram o prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, ele mesmo um homossexual declarado, e o Ministro da Cultura do governo federal, Bernd Neumann. Os artistas Michael e Ingar declararam que a forma do e a cor do pilar visavam o diálogo com as formas do monumento dedicado aos judeus, num modo de traçar um linque entre os dois.
Já havia desde há muito uma singela placa na estação Nollendorfplatz do metrô, evocando a perseguição e a morte dos homossexuais. Essa placa fica permanentemente decorada por um buquê ou uma coroa de flores. A escolha da estação se deve ao fato de que no bairro ao redor, Schöneberg, há uma grande concentração de residentes homossexuais. Entretanto a inauguração do monumento no Tiergarten foi saudada como uma homenagem justa, ainda que tardia, aos homossexuais perseguidos. Entretanto, ela trouxe à tona também lembranças incômodas, críticas e controvérsias.
A partir de 1933, quando assumiram o poder, os nazistas, além de perseguirem judeus, comunistas, os chamados "ciganos" (depois falarei deste nome, repudiado pelas comunidades concernidas), deficientes físicos e mentais, e outros grupos sociais e culturais, dedicaram-se a uma tenaz repressão dirigida contra os homossexuais. Os visados eram em grande maioria homens. O primeiro ato dessa perseguição foi o saque e destruição do escritório do Dr. Magnus Hirschfield, em 1933 mesmo. Os processos jurídicos formais começaram em 1935. Entre este ano e o fim da Segunda Guerra e do regime, 50 mil homossexuais foram condenados por seu "crime". Destes, 15 mil foram deportados para os campos de concentração. Estima-se o número de assassinados nestes campos entre 5 e 7 mil, mas pode ter havido mais.
Entretanto, o fim da Guerra não significou o fim do pesadelo. A lei passada sob o regime nazista, que punia a opção homossexual como crime, continuou vigente na nova República Federal da Alemanha! Entre 1945 e 1969 outros 50 mil homossexuais foram condenados pelo mesmo "crime"! Não havia mais deportações, campos de concentração e assassinatos em massa, mas ser homossexual continuava pondo fora da lei os que mantinham essa opção de vida.
Em conseqüência das revoltas estudantis de 1968, a partir de 1969 a aplicação da lei foi abrandada. Mas ela só foi revogada oficialmente em 1994! Assim mesmo, as marcas desse novo "muro" só começaram a ser apagadas em 2002, quando o governo de coalizão entre o Partido Social Democrata e o Partido Verde, liderado pelo chanceler Gustav Schröder, aboliu de vez a lei e seus efeitos, promulgando um "perdão" e uma anistia aos condenados.
Além das lembranças incômodas, a inauguração do monumento trouxe outras controvérsias. O presidente do país, Horst Köhler, foi criticado por não comparecer à inauguração, uma vez que comparecera à do Memorial dos Judeus Assassinados. Antes mesmo da inauguração houve críticas porque a projetada cena dos homens se beijando centrava a lembrança apenas no sexo masculino. Quanto a esta crítica, ficou acordado que de dois em dois anos a cena será trocada, abrindo espaço também para a evocação das mulheres.
Mas há outras controvérsias, de mais longo prazo e curso. O regime nazista dedicou-se com especial afinco ao extermínio de vários grupos sociais. Alguns já foram citados acima; a eles devem se somar ainda evangélicos, sobretudo da religião Testemunhas de Jeová, e os prisioneiros de guerra soviéticos, que eram sistematicamente assassinados. Originalmente, houvera a intenção de erigir um monumento a todos eles, em conjunto. Mas logo levantou-se a opção de criar um memorial específico para os judeus, dado o tamanho do extermínio (e certamente a culpa herdada pelos sobreviventes e as novas gerações alemãs), o que acabou prevalecendo.
Imediatamente colocaram-se as opções de também se erigirem dois monumentos: um dirigido aos Romas e Sintis (dois grupos que são reunidos habitualmente sob o nome genérico de "ciganos", por eles repudiado como pejorativo), que está em construção; e o outro, aos homossexuais, que foi inaugurado.
Estão em aberto os temas referentes aos outros grupos. Dos evangélicos, que eu saiba, até o momento não houve manifestação. Quanto aos portadores de deficiência, foram 300 mil mortos durante o nazismo, sendo 70 mil nas câmaras de gás. Houve inclusive os que foram mortos durante ou depois de "experiências científicas" que eram praticadas com eles. Atualmente há uma placa em sua homenagem atrás do prédio da Filarmônica de Berlim, perto da renovada Potsdammer Platz e nos lindes do Tiergarten.
Mas as associações dos portadores de deficiência se manifestaram no sentido de que essa placa é suficiente, levantando um outro aspecto da questão: a pulverização das homenagens. Há algo significativo nessa discussão: se a memória do nazismo não estaria ela própria sendo "pulverizada" nessa multiplicação de monumentos específicos. Assim iria se esmaecendo a idéia de que o nazismo foi em primeiro lugar um movimento que cresceu como alternativa repressora à perspectiva da ascensão do comunismo, com apoio, inclusive, de capitalistas no interior e fora da Alemanha, e de que o nazismo formava um corpo de doutrina unificado, e que ele próprio consistiu num "crime contra a humanidade", não apenas contra grupos específicos, apesar de haver os grupos que foram vítima de genocídio, isto é, tentativa de extermínio coletivo, na definição da ONU.
Restam as questões relativas aos soldados soviéticos e aos comunistas e demais opositores políticos do regime, também perseguidos e aniquilados. Os soldados soviéticos têm seu memorial, embora não específico para os mortos em campos de concentração. No parque de Treptow há um cemitério gigantesco, onde estão enterrados os corpos do milhão de militares da URSS que morreram na tomada – no fim de contas – de Berlim, quando e onde a Guerra terminou.
Quanto aos comunistas e opositores políticos, a questão é mais complexa. A lembrança dos comunistas sob o nazismo (de que se fala, sem dúvida) é toldada pelo controverso regime da RDA (A República Democrática da Alemanha, ou Alemanha Oriental), que se finou entre 1989 (queda do muro de Berlim) e 1991 (ano da reunificação alemã e do fim da ocupação militar pelos soviéticos e pelos aliados). De um lado, há uma grossa camada de lembrança de seu caráter repressivo, constantemente propagada em toda a parte: a Stasi, a polícia política do regime, era de fato das mais eficientes e odiadas do antigo Leste político europeu, inclusive nos outros países. De outro, existe uma crosta fina e sussurrada de nostalgia em relação a suas políticas sociais, diante das políticas no fim de contas também excludentes por aqui, do capitalismo triunfante da Guerra Fria. Causou um certo incômodo perplexo pesquisa recente mostrando que os jovens da antiga Alemanha Oriental lembravam, sobretudo, do tempo em que ela existia como um mundo onde seus pais tinham... emprego garantido, e eles, por tabela, também teriam, coisa que hoje foi pulverizada como certeza.
Os demais partidos políticos na Alemanha apontam dedos acusadores para o novo partido, a Linke (a Esquerda), em função de ex-comunistas da RDA estarem nas suas fileiras. Fala-se até que membros da Stasi estariam neste partido. De todo modo, para além dos monumentos oficiais, a questão dos comunistas voltará à baila na Alemanha e na Europa. Em seu novo filme, quarto da série, o incansável Indiana Jones, enquanto busca seus balangandãs arqueológicos, tem de enfrentar os comunistas soviéticos. Isso vai dar pano para manga: os comunistas russos já pediram um boicote ao filme, dizendo que além de deslustrar a imagem histórica do partido, ele agride a própria "russidade" dos russos. A CNN já deu uma reportagem em que entrevista jovens em Moscou dizendo que não se sentem agredidos não, porque o comunismo é coisa do passado, etc. Mas se a CNN se mobilizou para ir atrás dessas declarações, é porque a fumaça levantada está começando a arder nos olhos de alguém.
Voltando a Berlim e ao monumento recém inaugurado: a capital alemã tem hoje uma das maiores, melhores e mais divertidas paradas gay do mundo inteiro, parece que a segunda em tamanho depois da de S. Paulo. Vem gente da Europa toda, e como na capital paulista, ela se transformou numa festa ecumênica da cidade. Esta é, sem dúvida, a melhor homenagem que se pode fazer à memória dos homossexuais perseguidos da Alemanha e do mundo inteiro, no passado, no presente, e para neutralizar todas as perseguições e intolerâncias no futuro.
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"Inauguração de Memorial aos homossexuais perseguidos pelo nazismo evoca que a intolerância e o preconceito foram muito além daquele regime. Entre 1935 e o fim da Segunda Guerra Mundial, 50 mil homossexuais foram condenados por seu 'crime'. Cerca de 15 mil foram deportados para campos de concentração e entre 5 e 7 mil, assassinados". Um abraço. Drauzio Milagres.
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