E o tempo não vai apagar
Adriano Silva - Revista Época nº 494 de 05/11/2007
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG79891-9555-494,00.html
Um crime não some com o passar dos anos.
Eu não entendo como pode um crime prescrever. Suponha que eu tenha roubado alguém. Ou matado alguém. Se eu fiz, devo pagar. Passe o tempo que passar, eu ainda terei cometido aquele crime. Posso não cometer novos delitos. Posso até virar um cidadão exemplar, do tipo que adota uma praça ou ajuda a sustentar um orfanato. Mas aquele crime eu cometi. Ele não some com o passar dos anos. O pior crime cometido hoje no Brasil prescreve em 20 anos a contar da data em que ocorreu. Crimes mais brandos prescrevem em até dois anos. Se a polícia demorar para investigar, se o Ministério Público e a Justiça demorarem, o crime prescreve. E, se o réu tiver menos de 21 anos ao cometer o crime ou mais de 70 ao ser sentenciado, o prazo para prescrição das infrações mais graves cai para dez anos. E das mais brandas cai inacreditavelmente para um ano. Cá entre nós: você conhece algum caso que consiga ser julgado em um ano no Brasil?
Não sou jurista, nem legislador, nem advogado. Sou um mero cidadão embasbacado com isso. Qual é a lógica de prescrever um crime, como se pudesse ir se apagando lentamente com o tempo? Um crime é um ato ignominioso. E atos assim, abjetos, independentemente de sua gradação, não desvanecem com os anos. Ao contrário: um crime que ainda não foi punido fica mais hediondo e inaceitável a cada dia que passa.
Se descobrirem meu delito daqui a 30 anos, por que não posso ser julgado e preso? Terei vivido três décadas em sociedade, e com uma tremenda dívida com ela. A dívida cresce. Como ocorre com qualquer dívida que deixa de ser paga, ela fica maior quanto mais se retarda o pagamento. A lógica é simples: imagine que você reteve um dinheiro que, por direito, não deveria mais ser seu. Embolsando um ano de aluguel, por exemplo. Ora, você se beneficiou ilegalmente desse recurso. Então você vai ter de recompor com juros e multa seu credor, que se viu privado no mesmo período de tempo desse dinheiro que era dele por direito.
É a mesma coisa com o crime. O criminoso deveria ver contar contra ele o tempo que ficou em liberdade depois de ter cometido o delito. Porque gozou de um convívio social a que não tinha mais direito por ter rompido com a lei que rege esse convívio social. Alguém dirá que o interregno entre o crime e a punição é responsabilidade do sistema penal e judiciário – e esses "juros de mora" não poderiam ser debitados ao criminoso. Seguindo o raciocínio, talvez devêssemos prender junto os juízes, promotores e delegados que, por inação, permitem que um criminoso seja mantido em liberdade. O que não me entra na cabeça é a idéia de que a passagem do tempo possa perdoar o criminoso, de que a incompetência da sociedade organizada em investigar e condenar o criminoso jogue a favor dele, de que quanto mais tempo ele passar indevidamente livre, menos tempo ele terá depois de ficar na prisão.
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As pessoas e as Instituições que fazem as leis no Brasil criam intencionalmente essas brechas para que elas possam "escapar" se um dia forem desmascaradas em suas falcatruas. Só o pobre é que cumpre a Lei em todo o seu rigor. A frase constante nesse texto, que transcrevo a seguir, é perfeita. "Seguindo o raciocínio, talvez devêssemos prender junto os juízes, promotores e delegados que, por inação, permitem que um criminoso seja mantido em liberdade. O que não me entra na cabeça é a idéia de que a passagem do tempo possa perdoar o criminoso, de que a incompetência da sociedade organizada em investigar e condenar o criminoso jogue a favor dele, de que quanto mais tempo ele passar indevidamente livre, menos tempo ele terá depois de ficar na prisão". Drauzio Milagres.
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