quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Infraestrutura mesmo é educação



Infraestrutura mesmo é educação
Alexandre Mansur e Renata Leal - Revista Época nº 489 de 01/10/2007
Futurologista diz que o Brasil precisa investir em escolas para estimular o crescimento econômico.


O americano Alvin Toffler é o que há de mais próximo a um profeta moderno. Seus livros O Choque do Futuro e A Terceira Onda, de 1970 e 1980, previram as principais tendências da virada do século. Há 36 anos, ele vislumbrou a economia globalizada, a emergência de novas potências como a China, a vida nômade e urbana, a revolução tecnológica e a valorização da ciência e do conhecimento. Com seu novo livro, Riqueza Revolucionária, Toffler dá mais pistas sobre o que vem por aí. E aconselha países que, como o Brasil, investem em infra-estrutura para se desenvolver: "Invistam em educação".



Revista Época – O governo brasileiro está montando um grande investimento em infra-estrutura para o crescimento econômico. Qual deve ser a prioridade para impulsionar o progresso nos próximos anos?

Alvin Toffler – A terminologia para infra-estrutura inclui usinas elétricas, linhas de transmissão ou grandes obras de sistema viário. Mas ninguém inclui educação. E ela é a parte mais importante da infra-estrutura. Se você construir todas essas estruturas físicas, pode mudar o país. Mas continuará ensinando o passado às crianças. Claramente precisamos valorizar mais a geração de conhecimento. A sociedade cada vez mais vai depender disso. As transformações econômicas do mundo passam a valorizar fatores de crescimento que até então eram tidos como secundários. Nosso sucesso econômico é cada vez mais dependente da geração de idéias – e da forma como esses conhecimentos são transmitidos de uma pessoa para outra. É por isso também que precisamos mudar a forma de educar.



RE – De que tipo de educação precisamos?

Toffler – Precisamos fazer a transição da educação em massa para um modelo mais individual, que ofereça uma diversidade de formas de ensino. Nos Estados Unidos, as escolas foram criadas para fazer o que o mundo dos negócios precisava naquele momento. Era o que eles chamavam de disciplina industrial. Eles queriam que as crianças fossem treinadas para fazer tudo no tempo certo, para se adaptar ao trabalho rotineiro. Mas o futuro terá cada vez menos ocupações repetitivas. Recentemente recebi um e-mail de um jovem asiático muito articulado que dizia: "A escola está me preparando para um futuro que não ocorrerá. Parei de aprender lá. Acho melhor eu mesmo me educar. Quero largar a escola. O que o senhor sugere?". Esse garoto é realmente inteligente.



RE – O que o senhor disse a ele?

Toffler – Ainda não decidi. Estou pensando. Há um anúncio no jornal New York Times voltado para os pais. O texto diz: "Você tem alguma idéia do que seus filhos estão falando ao telefone? Ou o que eles estão vendo na internet?". A maior parte deles não sabe e também não tem idéia das perguntas a fazer para os filhos. As crianças hoje estão criando sua própria língua. Os adultos e as atitudes do governo para os jovens e para o futuro ainda continuam defasados. Isso não é apenas um problema para o Brasil. É para o mundo todo.



RE – Os países asiáticos oferecem um bom exemplo?

Toffler – Em alguns países da Ásia, como no Japão, as crianças vão para a escola pela manhã, têm uma pausa em casa no meio do dia e depois vão para colégios particulares à tarde. Minha mulher e eu visitamos uma escola dessas. Chegamos lá por volta das 22 horas e elas ainda estavam estudando cálculo. Tinham 10 anos. Isso é insano, porque elas não estão vivendo como crianças. O problema é que nós não temos um modelo-padrão que será apropriado para todos os países, para todas as partes da sociedade e para todas as pessoas.



RE – Ao apresentar o futuro, o senhor praticamente não cita as mudanças climáticas em seu livro. Por quê?

Toffler – Primeiro, preferi abordar temas menos batidos. Nos anos 1970 já falávamos de aquecimento global. Eu decidi falar sobre o que está recebendo menos atenção. Por outro lado, acredito que a defesa do meio ambiente está se tornando algo próximo de uma religião. As pessoas reagem com muita violência a alguns pesquisadores que questionam o senso comum de alarme diante do aquecimento global. É só ver como reagem a críticas como as de Bjorn Lomborg, um cientista brilhante da Dinamarca que questiona se as ondas de calor na Europa não seriam mais benéficas que maléficas.



RE – Como o senhor se mantém antenado com o futuro aos 79 anos?

Toffler – Acho que começou quando eu era bem jovem. Trabalhava como jornalista, pensando em virar um engenheiro ou cientista. Nos anos 60, eu tive contato com os primeiros computadores criados pela IBM. Fiz uma excursão aos laboratórios no Vale do Silício. Ali, tive o contato com os primeiros computadores e alguns especialistas em inteligência artificial. Naquele momento ficou claro que não sabíamos tudo e que uma grande revolução estava acontecendo. E não era só uma questão tecnológica. As mulheres lutavam por seus direitos e havia organizações civis começando a ganhar força. Hoje, continuo empolgado com as mudanças.



RE – O senhor dedicou boa parte de seu livro à China como uma potência emergente. É uma ditadura com repressão interna, pouca liberdade política e até censura na internet. Devemos temê-la, admirá-la ou invejá-la?

Toffler – A China vai viver vários tipos de dificuldade. Uma delas é lidar com a diversidade étnica interna. É possível que as tensões cresçam à medida que existem melhores condições econômicas para a população. Mas a corrida econômica chinesa que vimos nos últimos anos está próxima do fim. O governo chinês até então vinha tentando aumentar o PIB (Produto Interno Bruto) do país a qualquer custo. Agora o governo está repensando isso. Há sinais de que eles vão começar a dar mais atenção à qualidade de vida da população, o que inclui melhor educação e saúde. Também inclui o combate à corrupção. O próprio governo diz que deseja um país harmônico. O que está implícito é que hoje a China ainda tem conflitos internos. Segundo a polícia chinesa, existem 75 mil protestos violentos por ano no país. Não é uma situação sólida. Mas as autoridades estão atentas a isso.



RE – O senhor acredita em uma abertura política chinesa, como a glasnost soviética?

Toffler – Não deveríamos assumir falsas semelhanças. A propaganda sobre democracia pregada pelos Estados Unidos para o resto do mundo é muito simplista. Democracia não é apenas fazer eleições no Iraque. Você pode eleger um novo Hitler. Não há democracia se as mulheres não têm os mesmos direitos ou o mesmo acesso ao trabalho e à educação.


Alvin Toffler


Quem ele é
: É escritor e futurista. Tem 79 anos.

O que ele fez
: Para a consultoria Accenture, é a terceira voz mais influente do mundo, depois de Bill Gates e Peter Drucker. O Financial Times afirmou que ele é o futurista mais famoso do mundo. O jornal chinês People's Daily o colocou entre os 50 estrangeiros que formaram a China moderna.

O que publicou
: O Choque do Futuro, A Terceira Onda e Criando uma Nova Civilização, entre outros.










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Um comentário:

  1. Excelente texto. Educação deveria ser prioridade, pois tudo passa pela educação. Para que o povo não tenha condições de desenvolver um senso crítico é que os políticos no Brasil de tudo fazem para manter a educação no seu nível mais baixo. Um abraço. Drauzio Milagres.

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